domingo, 29 de março de 2009

Nasceu para Cangalha



Tem gente que é desprovida
Da mais tênue sapiência
Sem nenhuma inteligência
Para ser desenvolvida
A mente é combalida
Seu juízo tem cancela,
Cadeado e taramela
Seu raciocínio falha
Quem nasceu para cangalha
Nunca vai chegar a sela


Aquele que discrimina
Alguém pela sua cor
Que julga não ter valor
Pela origem nordestina
É o mesmo que abomina
Quem carrega uma sequela
Ou do idoso não zela
Reservando a migalha
Quem nasceu para cangalha
Nunca vai chegar a sela


O eleitor que se vende
Renuncia o poder
Do direito de eleger
Seu papel não compreende
Por isso não surpreende
Quando ele a urna mela
Vota em galã de novela
Ou outro que não trabalha
Quem nasceu para cangalha
Nunca vai chegar a sela


Mesmo que a atitude
Tenha efeito bumerangue
A tolice tá no sangue
E não permite que mude
Por mais que o sujeito estude
A sandice não debela
E o caráter se revela
Nas asneiras que espalha
Quem nasceu para cangalha
Nunca vai chegar a sela

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

PS: O raciocínio da poesia só é válido para asininos humanos. A foto (domingo 29/03) mostra uma dupla de jumentos que largaram a cangalha, passaram pela sela e hoje estão curtindo a belíssima praia de Ponta do Mel.


sexta-feira, 27 de março de 2009

O Pneu



O homem inventou a roda
Revolucionou o mundo
Encurtando as distâncias
Percorrendo em um segundo
Onde antes só se ia
Com o pensamento fecundo

Arredondou uma pedra
Fazendo a roda primeira
Depois um outro artesão
Esculpiu-a na madeira
Mais tarde a roda de ferro
Subiu e desceu ladeira

Para ajudar no progresso
A roda foi libertada
Saiu do trilho de ferro
Para encarar a estrada
Que era feita de barro
Sinuosa e esburacada

Era tanto solavanco
Com o carro, quase parado
Foi então que se encheu
Um cilindro anelado
Comprimindo-se o ar
O pneu estava inventado

Essa grande descoberta
Permitiu a evolução
Melhorando a freada
Otimizando a tração
Reduzindo os impactos
Amortecendo o chão

Hoje olho um avião
Que sem pneu não decola
Os veículos de estrada
Que tem uma outra bitola
Ou os carros de corrida
Que quase do chão descola

Olhando a nossa volta
Se percebe a importância
O papel essencial
E a grande relevância
Que o pneu representa
Para qualquer circunstância

Mas é triste perceber
A vã genialidade
Que desenvolveu a roda
Demonstrando habilidade
Não faz esforço nenhum
Para limpar a cidade

Abandona no monturo
Ou no terreno baldio
Esse objeto nobre
É desprezado no rio
Não restando o que fazer
Com quem tanto nos serviu

Deu apoio a polícia
Equipando o camburão
Tá no carro do bombeiro
Que o leva à missão
Transporta o retirante
No regresso ao sertão

O pneu que salvou vidas
Rodando na ambulância
E o que levou riquezas
Transportando a pujança
É refúgio de mosquito
Graças a ignorância

Quem teve inteligência
Com o seu dom de criar
Demonstra nenhum empenho
Para poder reciclar
Abandonando ao léu
Na hora de descartar

Depois de tanto servir
Merecia melhor sorte
Quem aproximou pessoas
Rodando do sul ao norte
Hoje só serve a dengue
Sendo berçário da morte

É o homem no espelho
É o espelho do descaso
O descaso com o futuro
É o futuro ao acaso
O acaso guiando o mundo
O mundo no fim do prazo


domingo, 22 de março de 2009

Aborto



Totalmente indefeso
No ventre da inimiga
O corpo que o abriga
Por ele só tem desprezo
Deveria estar ileso
No seu desenvolvimento
Recebendo o provimento
Dentro de uma fortaleza
Com infinita nobreza
E total desprendimento

Tendo outras opções
Pra evitar gravidez
Se pratica a insensatez
Na maior das agressões
Um covil de leões
É o corpo infanticida
Que põe fim a uma vida
Em vez de a defender
Soube muito bem fazer
Arranje outra saída

Sem a proteção materna
Não lhe resta alternativa
Solução definitiva
Dentro da visão moderna
Um crime que não consterna
Quem devia só cuidar
Se dispõe a praticar
O aborto ilegal
Exacerbação do mal
E covardia sem par

Não há justificativas
Para uma barbárie dessas
Atitude que confessa
Nossa força destrutiva
Em uma ação furtiva
Que o feto predestina
A ligação vitalina
Pois o ser que é vitimado
Além de estar desarmado
Não vive sem a assassina


(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

PS: Gostaria de enfatizar que sou absolutamente a favor do aborto legal. Nos casos previstos em lei, quando a vida da mãe está em risco, a prioridade deve ser preservar a vida da mãe. Não defendo, nem sou favorável a posição do bispo pernambucano que excomungou os responsáveis pelo aborto na menina de 9 anos, mas tenho receio que aquela infeliz declaração do religioso possa ser usada a favor da banalização da prática. A igreja está correta em tentar preservar a vida, mas o bispo, na minha humilde visão, totalmente errado em opinar sobre a inexistência de risco de vida naquela gestação. Assim como Lula não está gabaritado para opinar sobre religião, ele também não tem embasamento para opinar sobre medicina.

sábado, 21 de março de 2009

Dia Bom é Dia Chuvoso


Muita coisa nessa vida
Eu já me acostumei
Quantas vezes, já troquei
Caseira e boa comida
Na jornada, mais corrida
Em vez de um prato gostoso
Um sanduíche oleoso
Enganando a barriga
Só não aceito que diga
Que ruim, é dia chuvoso


Sendo preciso, até uso
Sapato, terno e gravata
Um trabalho burocrata
Exerço, mas sou intruso
Mesmo ficando confuso
Persisto, pois sou teimoso
Se o futuro é duvidoso?
Comigo, não tem fadiga
Só não aceito que diga
Que ruim, é dia chuvoso


Pode dizer que sou feio
Que tenho a pá virada
Que não pego na enxada
Todo doido, eu chateio
Se tem farra, eu tô nomeio
Num papel de criminoso
Diga que não sou cheiroso
Eu tolero, sem intriga
Só não aceito que diga
Que ruim é dia chuvoso


Separo-me da cachaça
Saio da mesa de jogo
Voto em um demagogo
Aceito a ameaça
Até suporto a pirraça
Tolero o calunioso
Tudo que for prazeroso
Desisto, sem fazer figa

Só não aceito que diga
Que ruim é dia chuvoso


Eu esqueço a panelada
Abandono a paçoca
Desprezo a tapioca
Saio fora da buchada
Passo sem a imbuzada
Que é um doce apetitoso
Mesmo sendo um guloso
Empestado de lombriga

Só não aceito que diga
Que ruim é dia chuvoso


Deixo a vida de gado
Abandono a vaquejada
Topando qualquer parada
Presente vira passado
Pra trás fica um legado
Recordo, por ser saudoso
Um tesouro precioso
Que a minha alma instiga
Só não aceito que diga
Que ruim é dia chuvoso


Tem coisa pior no mundo
Que um engarrafamento
Um sujeito num jumento
Ultrapassa num segundo
E o tal do submundo?
Tem um prisma assombroso
Um mundo inescrupuloso
Que a desgraça é uma cantiga
Só não aceito que diga
Que ruim, é dia chuvoso


O sujeito faz a casa
Bem em cima de um morro
Pra logo pedir socorro
Quando a chuva tudo arrasa
Mais seguro, é em Gaza
Mesmo sendo belicoso
Parece falacioso:
Um chuvisco desabriga

Só não aceito que diga
Que ruim, é dia chuvoso


Erguem uma comunidade
Bem no meio da lagoa
Só devia ter canoa
Onde avança a cidade
A pura realidade
É que o homem é buliçoso
Seu agir, é desastroso
Com a natureza litiga
Só não aceito que diga
Que ruim, é dia chuvoso


A água é dona da vida
Ela merece respeito
Preservando o seu leito
E não sendo obstruída
Terá livre a saída
Para um rio caudaloso
Em dia tempestuoso
Contra ela, não se briga
Só não aceito que diga
Que ruim, é dia chuvoso


Cheiro de chuva, convida
A um banho de goteira
S'ela não for passageira
E não sendo comedida
Como que seja aspergida
Das mãos de Deus, generoso
Um milagre aquoso
Que a nossa alma, irriga
Só não aceito que diga
Que ruim, é dia chuvoso *

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

(*) Poema publicado no blog Acari do Meu Amor, em 16/01/2009, sem as estrofes 3, 4, 5 e 6.
http://acaridomeuamor.nafoto.net/photo20090116204618.html


Branquinha e o Sapo Encantado



Como faz todo domingo
Branquinha acordou cedo
Adiantou o serviço
De trabalho, não tem medo
Arrumou-se e foi pra missa
Devoção não tem segredo.

Foi uma bela cerimônia
O padre tava inspirado
Caprichou no seu sermão
Sem deixar fiel cansado
Tudo tava uma perfeição:
Que domingo abençoado!

Mas foi a missa, findar
E a graça acabou
Foi saindo da igreja
Aí, o bicho pegou
Deu de cara com um sapo
Seu domingo desgraçou.

O sapo olhou pra ela
E disse: - Não tem saída
Ela se pôs a tremer
- Vou dar fim a sua vida
Não adianta correr
Sou muito bom de corrida.

Foi quando tentou gritar
Mas sua voz não saiu
Esperneou, fez de tudo
E ninguém, sequer, lhe viu
Só um “véi” que ia passando
Foi quem, a ela, acudiu.

O velho tomou a frente
E disse: - Deixe comigo
Já enfrentei cascavel,
Nunca temi o perigo,
Vou dar um chute no bicho,
Para sapo, eu não ligo.

O tinhoso abriu a boca
E deu um bote no pé
Lançando a sua língua
Ôhhh, sapo que era agé!
Só não engoliu o “véi”
Por causa do seu chulé.

Então, ele se soltou
Caindo fora da fria
Disse: - Meu Deus, obrigado
Abenção, Virgem Maria
Esse bicho é o sapirico
Nessa eu quase morria.

Aí, Branca ficou só
Com esse troço medonho
Enquanto ele cuspia
Viu que não era um sonho
Pensou: “Se eu não correr,
Não me livro do demônio”.

Fez frecheiro e arredou
Em busca da sua casa
Pela rua da matriz
Não voou por não ter asa
Nisso ele acompanhou
Maldição nunca se atrasa.

Em disparada, gritou,
No meio do rebuliço:
- Esse troço é encantado
Valei-me meu Padin Ciço
Me acuda, por favor,
Livre-me desse feitiço.

Já ‘tava perto da praça
Bem no centro da cidade
Passou por um pescador
Um senhor, de meia idade
Que retornava da pesca
Acredite, é verdade.

Esse sujeito andava
Cheio de peixe, na embira
Tilápia, tucunaré,
Curimatã e traíra
Eu não sei se foi milagre
Acho que a reza servira.

A traíra debateu-se
Quando passou pelo sapo
Estribuchou na embira
Dando um grande supapo
Se soltou e deu um bote
Passando o bicho no papo.

Livrou-se da maldição
Desse bicho desalmado
Acudida por um peixe
Ou um heroi escamado?
Que a salvou por acaso
Ou foi um anjo enviado?

Até hoje a menina
Em sinal de gratidão
Não bota peixe na boca
Lembrando do guardião
Agradece a “Padin Ciço”
Em prova de devoção. *

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

(*) Poema publicado no blog Acari do Meu Amor, em 06/01/2009.
http://acaridomeuamor.nafoto.net/photo20090105232609.html

Combinação



Um aboio combina com um chocalho
Guarda-peito, com perneira e gibão
O cangaço, com seu rei, Lampião
A manhã, com uma gota de orvalho
A vereda combina com o atalho
A miunça, com cerca de ramada
A caatinga, com a mata fechada
Cantador, com a rima e a viola
O sertão não combina com esmola
Nem açude, com a lama rachada

A imagem desse nosso torrão
É da seca cruel, que nunca passa
A miséria, a fome e a desgraça
Implacáveis, castigam sem perdão
Tem que se reparar a distorção
Da pintura que foi mal desenhada
Transformando em página virada
Problemas que o Nordeste, assola
O sertão não combina com esmola
Nem açude, com a lama rachada

Já cantava o sábio Gonzagão
Que esmola é falta de respeito
Vai matar de vergonha, o sujeito
Ou então viciar o cidadão
É preciso uma outra solução
Pra região ser viabilizada
Aproveitando a água da invernada
Reservando o recurso que extrapola
O sertão não combina com esmola
Nem açude, com a lama rachada

Parece que está mal colocado
O clamor feito em ano de fartura
Mas por isso que lembro da agrura
Do futuro incerto e indesejado
Não podemos alterar o passado
Nem achar que a vida tá traçada
Esperando, com as pernas cruzadas
Pois a seca voraz está na cola
O sertão não combina com esmola
Nem açude, com a lama rachada

O Nordeste combina com a alegria
Esse povo, com a felicidade
A sua vida, com a simplicidade
Suas lutas, com páginas da história
Seu passado, com lágrimas e glória
Seu futuro, com um conto de fada
A miséria total erradicada
Crianças, com freqüência na escola
O sertão não combina com esmola
Nem açude, com a lama rachada *

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

(*) Poema publicado no blog Acari do Meu Amor, em 16/07/2008.
http://acaridomeuamor.nafoto.net/photo20080716190608.html

sexta-feira, 20 de março de 2009

Imbu



Prometo manter teu nome
Vens de Ymb-u, no Tupi
“Planta que dá de beber”
Não dá pra retribuí
A importância que tens
Pra o sertão de Acari

O índio te batizou
Porque em tua raiz
Ele saciava a sede
Escapando por um triz
Sabedoria passada
Aos colonos, gentis

Umbu é pra quem não sabe
O sabor do teu azedo
Ou pensa que fala errado
Muda a pronúncia por medo
Pois saibas, tá no Aurélio
Digo sem pedir segredo

És muito mais que um fruto
Simbolizas a bonança
Que chega após a seca
Apagando a lembrança
Do sofrimento passado
Transformado em esperança

Faz-se suco ou licor
Compota de doce em calda
O vinagre contrastando
A fruta cristalizada
Mas o mais nobre produto
Claro, é a imbuzada

Verde, inchado ou maduro
Tira-gosto, sem igual
Acompanha a cachaça
Preferência regional
Só preciso de um caroço
E uma pitada de sal

Parada obrigatória
Do Vaqueiro, em sua lida
A sombra do imbuzeiro
Acolhe, dando guarida
E repõe as energias
Com seu bálsamo de vida

Também é local sagrado
Pra meninada brincar
O afoito sobe ao olho
Escolhe os que vai levar
Quem não sobe, se contenta
Com os que der pra catar

A força do sertanejo
Na tua seiva tá presente
A mais severas das secas
Suportas, és resistente
Esperando pela chuva
Cheio de vida latente

É melhor matar a árvore
Que o seu nome mudar
Respeite o imbuzeiro
Deixe de apelidar
Quem chamar ele de "umbu"
Não tem direito a provar *

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

(*) Poema publicado no blog Acari do Meu Amor, em 22/06/2008. http://acaridomeuamor.nafoto.net/photo20080622193733.html

Seridó



Quando chegar minha hora
De voltar da carne ao pó
Quero poder repousar
Onde nunca estarei só
Espero que o meu corpo
Sirva ao chão do Seridó

Região encantadora
Postal de beleza rara
Às vezes, o paraíso
Às vezes é o Saara
Mas nem seca, nem enchente
Do meu sertão me separa

O alvorecer do dia
Com o cantar da passarada
Levantar, ainda escuro
Saborear a coalhada
Contemplar a natureza
Em ano de invernada

A sangria de um açude
O respingo do telhado
Um bezerro escramuçando
Comer milho verde assado,
Pamonha doce e canjica
Cabrito gordo guisado

Tapioca com manteiga
Uma galinha torrada
Uma buchada de bode
Mungunzá e imbuzada
Paçoca com feijão verde
Batata e Maxixada

Um fogão a lenha, aceso
Santa ceia na parede
Panela de barro, velha
O balanço de uma rede
No pote, água de chuva
Que bebo, mesmo sem sede

Cidades bem cativantes
Povo bom, manso e ordeiro
Que acolhe com simpatia
Mesmo qualquer forasteiro
Que chegar com boa fé
E respeito verdadeiro

Tal qual um ventre de mãe
Nossa morada primeira
É um berço que acolhe
De forma hospitaleira
Todos que já se banharam
Nas águas do Gargalheiras

Nosso Colosso de Rhodes
Encravado no sertão
A terceira maravilha
Destaque da região
Ícone quase sagrado
O nosso monte Sião

A vida aqui não é fácil
Não é lugar pra vaidade
Tira-se leite de pedra
Mas sobra habilidade
Pra fazer o melhor queijo
Com padrão de qualidade

Também aqui se produz
Carne de sol sem igual
Que reina absoluta
Como prato principal
Na mais exigente mesa
De cozinha regional

Mas patrimônio maior
Não está na natureza
Nem na nossa culinária
Saborosa, com certeza
É o povo do Seridó
A nossa maior riqueza. *

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

(*) Poema publicado no blog Acari do Meu Amor, em 03/06/2008. http://acaridomeuamor.nafoto.net/photo20080603133939.html

quinta-feira, 19 de março de 2009

Senado Federal


Um diretor de garagem
E um de aeroporto
Ao dispor, todo conforto
E vida de malandragem
É uma grande sacanagem
Um Estado arruinado
Acoitando viciado,
Parasita e ladrão
Que escolhe por profissão
Um emprego no Senado

Escutar de Zé Sarney:
- Tudo vai ser resolvido
Quem errou vai ser punido
Com todo rigor da lei
Na apuração que farei
Diretor desocupado
É pra ser exonerado

Mas a gratificação
Esses pilantras terão
Ao salário incorporado

Logo, logo, a imprensa
Abandona a cobertura
E a mesma estrutura
Vai voltar a ser imensa
Além dessa recompensa
Pr´esse bando de grileiro
Feita com nosso dinheiro
A quem foi exonerado
Cargos novos são criados
Mais lama para o chiqueiro

quarta-feira, 18 de março de 2009

Manto


O véu, cortina de espuma
Que transforma a água em manto
Paz, que alimenta a alma
Leva para o mar, meu pranto
É um mergulho do concreto
Momento eterno de encanto

Pega de Gado




Com o seu burro selado
Esperando por ação
Perneira, chapéu gibão
Guarda-peito ajustado
Já nas vestes, encourado
Com desejo de combate
Não há nada que retrate
A coragem e o dispor
Do bravo gladiador
Um guerreiro de quilate

Lá longe o chocalho bate
Ecoando pela serra
Distante o gado berra
Antevendo o embate
Logo o cachorro late
Anunciando ao vaqueiro
Que um boi forte e ligeiro
Foi por ele farejado
Pra depois ser acuado
Bem pertinho do lajeiro

Aquele burro baixeiro
Até então tão tranquilo
Dava pra tirar cochilo
No seu caminhar faceiro
Parecia ser ronceiro
Mas logo as fuças acendem
As suas orelhas pendem
Em direção ao latido
Que foi logo percebido
E a mensagem comprende

O animal se desprende
Ao comando da espora
Disparando, sem demora
Quando o vaqueiro empreende
Uma carreira que rende
Enquanto tá no encalço
Sem poder dar passo falso
Na descida pela grota
Nessa hora o burro trota
Mas não refuga percalço


É o momento que eu calço
O sujeito com uma prece
Na proteção que carece
Uma oração eu alço
E o risco que realço
É real e verdadeiro
Deus proteja o vaqueiro
Fornecendo-lhe o abrigo
Pra que o eminente perigo
Não lhe seja o derradeiro

Confia ao burro besteiro
Sua vida preciosa
Na passada habilidosa
Do experiente parceiro
Desviando do facheiro
Xique-xique e da jurema
A destreza é seu emblema
Para não levar um tombo
O ginete cola ao lombo
Com habilidade extrema

Cada segundo é um dilema
Segue em frente ou refuga?
A estaladeira divulga
Que a coragem é suprema
O que não falta é problema
Em um mergulho às escuras
Depois de muitas agruras
Ele encosta de vez
Apanha a calda rês
Para executar a jura

Pega com a mão e segura
Passa a volta, enrolando
Segue dos paus desviando
Pra dar cabo a captura
Em um gesto de bravura
Dá nas rédeas, sai da sela
Não tem mais escapadela
Puxa a calda, tá no chão
Não concluiu a missão
Mas findou uma parcela


domingo, 15 de março de 2009

Minha Professora de Poesia


Recebi do amigo Luiz Carlos Lemos - Compadre Lemos - mineiro, 55 anos, casado, aposentado, pesquisador, leitor e escritor de literatura de cordel, contos e poemas, a belíssima composição que faço questão de compartilhar neste espaço:

No galho da laranjeira
Do sítio, lá, onde eu moro,
Tem uma coisa que adoro,
Por demais, sobremaneira!
Uma ave cantadeira
Que, há muito, mora por lá,
Tem seu ninho em tafetá,
Algodão e lã achada...
É uma ave encantada,
Minha linda Sabiá!

Meu dia começa bem
Cedinho, pela manhã.
É quando essa nossa irmã
Eleva seu canto além!
Eu penso assim, que ninguém
Ficaria insensível,
Ouvindo esse canto incrível,
Que enche o ar de beleza!
Sabiá, por natureza,
Uma cantora invencível!

Meio-dia, todo dia,
Eu almoço na varanda!
Ela sabe, e assim desanda
A cantar, com alegria!
Pode a comida estar fria,
Pode até ter sal demais,
Que a tristeza jamais
Invade meu coração!
Sabiá, quanta emoção,
Nessas notas geniais!

Depois do almoço eu cochilo
Na varanda, em minha rede.
O sol bate na parede
De um branco calmo e tranqüilo!
Fico sonhando com aquilo
Que nunca quero deixar:
A paz deste meu lugar,
O amor de minha família,
Minha sabiá, que brilha,
Numa canção de ninar!

Acordo, escrevo um poema
De amor, ao mundo inteiro!
Agradeço a Deus primeiro,
Pois este é o meu lema.
E, seja qual for o tema
Sobre o qual quero versar,
Escuto sempre o trinar
Tão doce, fenomenal!
É um fundo musical,
Que a Sabiá vem me dar!

Á noite, eu durmo tranqüilo,
Sabiá dorme também.
A paz da noite que vem
Da Inspiração é o silo!
Que Deus sempre dê asilo,
Em Sua Sabedoria
Preservando, em harmonia,
Sabiá, minha parceira...
Que é, pra mim, verdadeira
Professora de Poesia!


( Compadre Lemos – www.compadrelemos.com ).

Dignidade


Todos nós quando nascemos
Temos um grande legado
Um patrimônio sagrado
Das mãos de Deus recebemos
Esse bem que acolhemos
Herdamos com equidade
Não tendo disparidade
Para quem é rico ou pobre
Tanto o plebeu como o nobre
Nasce com dignidade

Na vulnerabilidade
Gastamos essa riqueza
Nos momentos de fraqueza
Ou se em dificuldade
A frágil humanidade
A fortuna dilapida
Aos poucos, subtraída
A vaidade e a ambição
Carregam do cidadão
No decurso da sua vida

Mesmo tendo outra saída
O homem gasta o que tem
Fazendo o que lhe convém
Até a sua partida
Chegando ao fim da vida
Com sucesso, é verdade
Rico, na realidade
Tudo fez e tudo faz
Até não lhe restar mais
Nenhuma dignidade

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

Mergulho


Pobre homem, imperfeito
Sem asas para voar
Só lhe resta mergulhar
Onde o céu é liquefeito

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

sábado, 14 de março de 2009

Dia Nacional da Poesia


Aparício Fernandes

Neste dia nacional da poesia, que foi criado em homenagem ao poeta brasileiro Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871), no dia de seu nascimento, gostaria de trazer a obra prima Oração do Poeta, do ilustre acariense Aparício Fernandes. Nascido em em 1934, filho de José Fernandes de Oliveira e Verônica Fernandes de Oliveira, passou a infância e parte da adolescência na cidade de Macau (RN). Radicado no Rio de Janeiro, desde 1952, colaborou em jornais, revistas e emissoras de rádio, inclusive redigindo durante muitos anos um programa de divulgação de trovas para a Rádio Globo. A convite de Gilson Amado, integranda a sua famosa "Universidade sem Paredes". Apresentou, durante algum tempo, na antiga TV Continental, do Rio de Janeiro, um Programa em que entrevistava intelectuais. Falaceu em 1996, tendo deixado uma vasta obra literária e sendo considerado por muitos, como um verdadeiro mito, no mundo da trova.

Oração do Poeta

Obrigado, senhor, pela música - mensageira da harmonia – que nos enternece a alma; pela água cristalina, pela esperança que anima os corações e pelo amor, que dá sentido a vida. São dádivas vossas: a solidariedade, o riso das crianças, a ternura das mães, a sabedoria da natureza, a justiça, o perdão, o remorso, que regenera os maus, e o próprio erro, quando induz a verdade, temos o mar, o céu, a terra dadivosa, os animais que tanto nos servem, as flores - que são estrelas da terra - e as estrelas - que são as flores do céu. Destes ao homem o milagre da mente, a sublimidade do coração e a mediunidade da inspiração, através da qual transportamo-nos ao infinito. Pusestes ao nosso lado milhares de homens que enobreceram a vida com o exemplo de suas ações. Obrigado pelos mestres da pintura, da música, da escultura, e pelas geniais criações literárias que nos enriquecem o espírito. Obrigado pelos cientistas que se curvam em seus laboratórios, buscando soluções para minorar os males que nos afligem. Obrigado também pelos inventores, os quais, guiados pela vossa mão, são arautos do progresso. Mas, sobretudo, obrigado, senhor, pela poesia, que é o conjunto de todas essas maravilhas e a revelação suprema do vosso amor. Obrigado por ter-me feito sensível à face resplandecente da vossa beleza. Que chegue até vós a nossa gratidão, porque vos dignastes ser o maior de todos os poetas!

sexta-feira, 13 de março de 2009

Obra Divina


Deus terminava o mundo
Findando o material
A água tava acabando
O barro já no final
Das ferramentas, restou
Só a pá celestial

Foi então que um serafim
Que era servente fiel
Disse: - valei-me, Senhor
- Não deu para ver do céu
Que ficou uma região
Sem retocar de pincel


- Se acalme, Gabriel
Disse, O todo poderoso
- Eu vou dar um jeito nisso
Mesmo sendo oneroso
Para tudo, há remédio
Curarei até leproso

- Esse solo arenoso
Vou retirar com a pá
Esculpirei cordilheiras
Para a água escoar
E o pouco que chover
Vai ser possível juntar


- Não vai dar para pintar
Pois a tinta tá escassa
Mas eu vou dissolver ela
Dentro da minha cabaça
Mesmo sendo a água pouca
Formarei chuvas esparsas


- Esse líquido disfarça
Uma força que é bela
Com a tinta misturada
O seu poder se revela
No solo que ela bater
O colorido pincela

- Mas a linda aquarela
Logo perderá a cor
Os vegetais encobertos
Por um cinza assustador
Toda a vida se esconde
Debaixo dum cobertor


O mistério de valor
Que Deus Pai, quer nos passar
É que a vida se renova
E temos que aceitar
Mas mesmo sendo mortais
Podemos ressuscitar

É assim, esse lugar
De beleza sem igual
Uma hora é abundante
Outra hora é brutal
Parece ser desastroso
Mas no fundo é normal

-Para ficar ideal
Faltam duas coisas, só:
Batizarei com o nome
Região do Seridó
E colocarei um povo
Capaz de em pingo dar nó

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

O Morto Dentro "das Calça"


O morto dentro "das calça"
Não trabalha nem estuda
Tem uma preguiça aguda
Com o suor não realça
É uma pessoa falsa
Só tem três ocupações
Dorme, faz as refeições
E fala da vida alheia
Nas esquinas se apeia
Pra proferir maldições

Não viaja, nem trabalha
Não arrisca, nem petisca
Não sei como o olho pisca
Não chora e nem gargalha
Não acerta e não falha
De tudo é dependente
Não faz nada, no presente
Mais parece um morto vivo
Distúrbio conceptivo
A planta que nasceu gente

Uma entidade inerte
Num corpo de ser humano
Com saúde, mas sem plano
Sem lei áurea que liberte
Não tem nada que desperte
Quem de si fez um aborto
Se tornando um peso morto
Nas costas do genitor
Fez um canguru, do avô
Não quer sair do conforto

Aposentado na infância
Sem nunca ter trabalhado
Sempre sendo agasalhado
Dos pais, nunca quis distância
Tem na vida uma ganância:
Receber tudo na mão
Sem ter que ganhar o pão
O sossego é o seu mundo:
Vá trabalhar, vagabundo!
Criatura sem ação

Quem não arrisca na vida
Nunca vai se machucar
Nem vai aprender a andar
Se a vontade é contida
Existência adormecida
Sem sofrer um arranhão
Sem nenhuma emoção
Um inerte vegetal
Esse pobre animal
Desertou da criação

Podia ter produzido
Podia mudar o mundo
Um ser humano fecundo
Bem que podia ter sido
Mas não tendo ainda morrido
Pode iniciar agora
Começando, sem demora
Nova vida de labuta
Com nobreza revoluta:
Um trabalhador aflora

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

Sangria



A seca sangra meu peito
Se chove, ele transborda
O gado magro engorda
O sertão fica perfeito
Se tá com água no leito
Antes de chegar ao mar
Faz o açude sangrar
Transbordando de emoção
Este pobre coração
Que sangrava sem parar

Se o inverno é intenso
Deixa o homem temeroso
No ano muito chuvoso
O sujeito fica tenso
Porque pode tá propenso
Ao transbordo do talude
Destruindo o açude
Que guarda da invernada
Uma riqueza sagrada:
A água que nos escude

Se o peito está sangrando
Prevalece o penar
Um coração a sangrar
Vai continuar penando
Mas com ele transbordando
Repleto de alegria
Felicidade irradia
E assim vai se mantendo
Sangra por estar sofrendo
Transborda de euforia

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

quinta-feira, 12 de março de 2009

Professora Abelha


O que ela tem a dar
De melhor, mais valioso
Não é o mel saboroso
Que teima em cristalizar
Não é o polenizar
Que prospera a semeadura
Ajudando a agricultura
A produzir alimentos
Que por si é um advento
De grande envergadura

O que ela tem a dar
Que é mais sensacional
Não é geleia real
Preciosa e salutar
Nem a cera, a derivar
Artigos que tem nobreza
Realçando a fineza
E a feminilidade
Alimentando a vaidade
Com produtos de beleza

O que ela tem a dar
No mais elevado grau
Própolis medicinal
Não poderá se igualar
Porque jamais vai curar
A falta de harmonia
Que tudo desassocia
Na nossa sociedade
Imperando na cidade
Uma grande epidemia

O que ela tem a dar
No seu reino animal
A força celestial
Vive a nos orientar
Tentando nos ensinar
A vida em sociedade
Que a coletividade
É muito mais produtiva
Que a gana destrutiva
Da individualidade

O que ela tem a dar
Tá presente na colmeia
Que repousa a ideia
Da convivência exemplar
Cada um a executar
Seu papel na plenitude
Para que o homem mude
Sua forma de agir
Podendo coexistir
Com maior solicitude

O que ela tem a dar
Muito pouco aprendemos
Nesse mundo que vivemos
Teimamos em recusar
Só queremos copiar
O que não tem de ameno
Flertando em um aceno
Toda a agressividade
Destilando a maldade
Do ferrão e do veneno

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)