segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Cavalgada


Cavalgando pelas serras
Viajo no pensamento
Relembro cada momento
Que o meu peito desenterra
Tem memória que emperra
Dando um nó na goela
Quando o passado revela
Coisas que não voltam mais
Nem retornarão jamais
Entes que a saudade vela

Vou me ajeitando na sela
E tocando a cavalgada
Em ano de invernada
A perfeição se revela
Cada planta dá uma tela
Na mente de um artista
Ou a capa da revista
Que valora a natureza
É um furo de beleza
Aos olhos do jornalista

Um bêbado equilibrista
Topando de frente a grota
Sentindo o medo que brota
Quando o risco está à vista
Uma canção que o flautista
Nunca conseguiu tocar
A cantiga de ninar
Que a materna voz entoa
A natureza ressoa
No canto do sabiá

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

sábado, 3 de julho de 2010

Chocalho


Foto: Alex Gurgel

Capelinha de metal
Com solitário badalo
Pendulando no embalo
De um galope triunfal
O pescoço do animal
Rege o som que se propaga
Quando a esquiva rês divaga
Desfilando no cercado
Espalha um rastro timbrado
Que no sossego se apaga

Uma batida aziaga
Pro esconderijo perfeito
A furtiva ação, sem jeito
Leva ao fracasso da saga
Estando a soar, estraga
A mandinga e o feitiço
Desencantando o sumiço
Da maromba mais astuta
O chocalho executa
Imprescindível serviço

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

Ao compor o poema "Chocalho", eu procurava no google uma imagem para ilustrar a composição e eis que me deparei com um texto de autoria de Dr. Paulo Balá, publicado na coluna de Woden Madruga, no dia 03/08/08, do jornal Tribuna do Norte. Então resolvi replicar aqui o link desse interessante artigo, do nobre escritor e historiador seridoense:

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Silêncio



O silêncio é a mais marcante forma de expressão. É o perfeito modo de comunicação: um olhar, um gesto, a atitude ou simplesmente uma fisionomia, às vezes exprimem sentimentos que palavra nenhuma do nosso vocábulo é capaz de definir plenamente. O calar lidera, reprime, acalma, orienta, aconselha, exemplariza. É como se as palavras se apresentassem na sua essência mais pura, completamente despidas de adereços. Não é necessário ouvir nem ler. É necessário perceber e sentir os efeitos em cascata de uma “fissão atômica” do vocabulário.

Verbo calado
Palavra muda
Sábio silêncio, mensagem veluda

Fissão do som
Fala desnuda
Pálida face da verdade aguda

Razão sisuda
Exclamação
Brado no gesto, olhar da comoção

Pleno recado
Compreensão
Da estridente voz do coração

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

domingo, 13 de junho de 2010

A Ponte


Ponte Newton Navarro (Foto: Ivanízio Ramos)


Foz do Rio Potengi fotografada de cima da Ponte Newton Navarro

Rio Potengi e Praia da Redinha (foto tirada da Ponte Newton Navarro)


Natal às margens do Rio Potengi (foto tirada da Ponte Newton Navarro)

Concreto que liga sonhos
Abreviando a estrada
Transpõe difíceis barreiras
Com estrutura prostrada
Debruçando-se no rio
Espichada no vazio
Inerte grandeza armada

Em uma nobre empreitada
De relevância inconteste
Bem mais que um simples adorno
A ponte imponente investe
Fazendo a conexão
Liga o árido sertão
Ao umedecido agreste

Antagonismo terrestre
Transita pelo seu vão
Por baixo a água da chuva
Em ano de redenção
Por cima uma caravana
Temendo a seca tirana
Abandona o seu torrão

Na partida, o coração
É lançado em estilhaços
No momento do regresso
Por ela se estendem braços
Que acolhem sem receio
Um abraço sem refreio
Reatando fortes laços

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Garganta da Morte



Foto baixada do Orkut de Chaguinha de Gabriel: uma belíssima e assustadora imagem de Gargalheira.

Como quem dar um belisco
No seu próprio fenecer
Num estranho entorpecer
O homem se entrega ao risco
Parece que há um confisco
Da sua razão febril
Um encantamento vil
Na ilusão de vencer
O fascínio do poder
Compõem enredo sombrio

Uma vida por um fio
Bem na garganta da morte
Na corda bamba da sorte
Brincando com fogo hostil
A coragem infantil
Tem na inocência, abrigo
Ignorando o perigo
Numa sedução final
Delira que é imortal
Forjando o próprio jazigo


(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

domingo, 6 de junho de 2010

Paz do Mar


Foto do Chapadão da Praia de Pipa, no litoral sul potiguar. A falta de habilidade do fotógrafo dificulta o enquadramento da beleza do lugar. Mas é um cenário realmente deslumbrnte.

Em um salto do penhasco
Belo firmamento instiga
Na queda livre de tudo
Uma paisagem litiga
Sucumbindo o sol poente
Rege a faxina da mente
Aniquilando a fadiga

Uma doce brisa abriga
A paz que emana do mar
E navega na beleza
De uma noite de luar
A onda no seu balanço
Inebriando o descanso
Como um materno ninar

O botão de desligar
A agitação do mundo
É o mesmo que aciona
O encantamento fecundo
Quando o cenário seduz
A retina nos conduz
Rumo a um êxtase profundo


(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Seca



Solo rachado
Pura aflição
Vento murmura na escuridão

O céu em brasas
Extrema unção
Só movimentos de folhas no chão

Estio pagão
Escolhe a cor
Pintando em cinza a tela da dor

Insuportável
Forte calor
Sertão sedento, tempo assustador

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

quarta-feira, 31 de março de 2010

Paixão


Estádio Maria Lamas Farache (Frasqueirão), domingo passado (28/03), quando da bela vitória do ABC sobre o América, por 1 x 0

Um sentimento
Dominador
Ardente chama forjando ilusão

Afrontamento
Provocador
Subjugando, sob coação

Penumbra intensa
Venda fatal
Cega a razão, escravizando o ser

Denso poder
Irracional
Um oceano de satisfação

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)


domingo, 21 de março de 2010

Notícias de Chuvas




Fotos enviadas por Sérgio Enilton, da chuva de hoje (21/o3), em Acari (RN)

Acabei de abrir meu correio eletrônico e lá estava o email que reproduzo abaixo, do amigo Sérgio Enilton, repassando notícias de chuvas no sertão de Acari. É o tipo de informação que adoro receber e repassar. O tempo não andava nada bom e as chuvas injetam um pouco de ânimo no sertanejo sofrido.

Boas notícias. Ontem, sábado, timidamente choveu nas terra da ribeira do Acauã. Estava na Fazenda Manoel Antônio e tive o privilégio de ver a terra molhada, as ovelhas pulando, a passarada numa festa só. E hoje, depois do trovão que deu aquele rasgo feroz, com muita vontade, arrebentando as "oiças" e respondendo nas encostas, por volta das 14:27h, começou a chover. Um cheiro de chuva benéfico. Para, um pouco; começa de novo. Aquele vai e vem.

As goteiras estão sendo limpas, as ruas com correnteza... Os meus filhos já estão todos tomando banho, junto com a criançada da rua que moro.

Chuvas de março: que Deus permita a sua constância nos meses de abril e maio.

sábado, 20 de março de 2010

Atitude




Em cada esquina da vida
Existe uma encruzilhada
Diante de uma cilada
A reação é devida
É decisão suicida
Uma decisão não ter
Desistir de combater
Faz do homem, derrotado
Pior que fazer errado
É errar por não fazer

Hesitação excessiva
Ou simples indecisão
Temor da reprovação
Gera conduta evasiva
Uma postura passiva
É um modo de viver
Em um triste padecer
Morto sem ser sepultado
Pior que fazer errado
É errar por não fazer

Seguindo seu próprio norte
Vivendo com atitude
Não há nada que não mude
Nem garantia de sorte
Só há certeza da morte
Rico, pobre, quem nascer
Em pó vai se desfazer
Esse é um fim já selado
Pior que fazer errado
É errar por não fazer

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

domingo, 14 de março de 2010

Dia Nacional da Poesia


Foto baixada da internet, de autoria de Sérgio Dantas


Toque Divino


Acomodadas em versos
Dispostas com maestria
As palavras logo pulsam
Num compasso de harmonia
Jorrando do coração
Seiva viva da emoção
Que constitui a poesia

O encanto que irradia
De um verso camoniano
É um sopro de magia
Tão sublime e soberano
Sinal claro e cristalino
Pequeno toque divino
Na condição de humano

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

sexta-feira, 12 de março de 2010

Sexta-Feira



Sem compromisso
Portas fechadas
Braços cruzados, nada a ver com nada

Entregue ao vento
Densa poeira
Democracia que espalha sujeira

Cara amarrada
Dia cinzento
Cotidiano feito de cimento

Doce alento
É sexta-feira
Cerveja fria, vida passageira

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

segunda-feira, 8 de março de 2010

Dia Internacional da Mulher


Nísia Floresta

Apesar de ser convicto de que a mulher não tem direito a um dia - a figura feminina tem direito é ao ano todo - faço minha singela homenagem nesta data que o mundo dedica a ela, em reverência e reconhecimento. Uma criatura tão sublime, tão coroada de atributos, onde Deus pôde exercer a sua generosidade infinita, no momento da criação, não pode ter vindo ao mundo para exercer um papel menos nobre, em um plano secundário.

Utilizo-me da figura de Nísia Floresta, por se tratar de uma norteriograndense que foi referência em intelectualidade, precursora do movimento igualitário, muito a frente do seu tempo, e que conseguiu mostrar ao mundo que a mulher é bem mais que uma mera coadjuvante subserviente, na humanidade. Num tempo em que as sinhás nacionais, segundo o velho ditado português, só deveriam sair de casa três vezes: a batizar, a casar e a enterrar (...), Nísia era feminista. Gilberto Freyre, em "Sobrados e Mocambos", 1936.

De repente podemos refletir: " - O que é que eu posso fazer pelas mulheres? Nada. Eu sozinho não posso fazer nada." Mas eu diria que a história de Nisia é um exemplo de que "você pode fazer muito". Em um tempo extremamente ostensivo para as mulheres, separar-se com 13 anos de idade; resolver desmistificar uma verdade quase absoluta, da inferioridade feminina, não teria sido possível se ela não tivesse recebido uma educação familiar alicerçada em valores menos arcaicos, com o apoio e o suporte necessário a estruturação de uma personalidade forte e uma inteligência superior. Portanto todos nós, mesmo que não resolvamos iniciar uma cruzada de valorização da mulher, podemos simplesmente educar nossas filhas, sem incutir nelas a perspectiva de inferioridade e de repreensão excessiva, apoiando-as, quando necessário. Também podemos criar os nossos filhos sob a égide do respeito e valorização da figura feminina. Feito isto, estão criadas as condições para o surgimento de mulheres inteligentes e importantes para a humanidade, como Nísia, e homens que saberão valorizar e respeitar as mulheres, como o pai de Nísia.

Mulher

Sem leito para deitar
Adormeço até no chão
Se faltar a condução
Ponho-me a caminhar
Querendo cedo chegar
Ando no passo apressado
Se faltar carne de gado
Passo com ovo mexido
A vida só tem sentido
Com uma mulher do lado

Se nos pés faltar a terra
Eu me penduro num galho
A rês que não tem chocalho
Tiro o rastro pela serra
Na hora que o burro emperra
Só anda se for puxado
Se meu time é derrotado
Perdeu por ter merecido
A vida só tem sentido
Com uma mulher do lado

Eu acendo o candeeiro
Na hora que faltar luz
O calor, logo, reduz
Na sombra do juazeiro
Com cachorro no terreiro
Adormeço sossegado
Abandono o proseado
Se o papo tá comprido
A vida só tem sentido
Com uma mulher do lado

Cara feia, para mim
É forte sinal de fome
Mas tem coisa que consome
E põe fogo no estopim
Bate logo o farnizim
Fico desacorçoado
Ambiente carregado
De macho, é poluído
A vida só tem sentido
Com uma mulher do lado

O perfume não tem cheiro
A joia não tem valor
Falta ao arco-iris, cor
Pra nada serve o dinheiro
Um burro bom, sem vaqueiro
O leite foi derramado
Um açude arrombado
O mundo tá destruído
A vida só tem sentido
Com uma mulher do lado

Estrela que incandesce
No firmamento da vida
Obra rara esculpida
Pelas Mãos que nos guarnece
É fogueira que aquece
No frio demasiado
Se o momento é complicado
Seu encanto é aduzido
A vida só tem sentido
Com uma mulher do lado

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

PS: Para os que desejarem se aprofundar um pouco mais na vida e na obra de Nísia Floresta, segue o link do Projeto Memória, que conta a sua história de uma maneira fantástica, cheia de ilustrações e o link (dentro do mesmo projeto) do livro fotográfico.

LINK DO PROJETO MEMÓRIA - NÍSIA FLORESTA

LIVRO FOTOGRÁFICO ZIPADO, EM PDF

quinta-feira, 4 de março de 2010

Sepulcro Ardente


Descida da Serra de Santana, saindo de Lagoa Nova (RN) em direção a Currais Novos (RN)

Um sono leve...
Inconsciência...
Encanto breve, sem medo, sem dor

Sedenta flor
Exala a vida
Nocividade sem ser aferida

Passo que atrasa
Diapasão
Que é ritmado pelo coração

Em noite fria
Veneno quente
Razão velada em um sepulcro ardente

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Crendices Entre os Caçadores do Sertão do Seridó


Curiosa e mansa, pousando para um close

Sariema (seriema) domesticada , criada solta, desde pintinho.

CRENDICES ENTRE OS CAÇADORES DO SERTÃO DO SERIDÓ
(Oswaldo Lamartine de Faria)

O sertanejo seridoense carrega, como os demais homens do campo, as suas superstições legadas dos nossos antepassados luso-afro-ameríndios.


No Dicionário do folclore brasileiro, Luís da Câmara Cascudo arrola maior número de superstições ligadas ao cachorro:

"Quando uiva, está chamando desgraça para seu dono. Ouvindo o uivo, diz-se: todo o agouro para teu couro! Ou emborca-se um sapato virando-se a palmilha para cima. O cão se calará. Cachorro cavando na porta de casa está cavando a sepultura do dono; se cavar areia com o focinho para rua vale o mesmo. Com o focinho voltado para casa, cavando para fora, é anúncio de dinheiro. Dormindo com a barriga para cima, mau agouro. Deitado, com as patas dianteiras cruzadas, bom agouro. Rodando sem destino pela casa, está afugentando o diabo. Dormindo e ganindo, está sonhando. Urinando na porta é prognóstico feliz. Quando está uivando é porque vê almas do outro mundo ou a morte aproximando-se. Os cães eram sacrificados a Hécate e avisavam de sua presença invisível uivando, assim como viam os deuses, os lêmures, as sombras dos mortos (Ovídio, Fastos, 1, 889; Horácio, Epodos, V). Para cachorro não crescer, pesa-se com sal. Para não fugir, enterra-se a ponta da cauda ou os escrotos debaixo do batente da porta, ou, sendo na fazenda de criar, no mourão da porteira. Não é bom erguer o cão pelas orelhas, para que não fique mofino (covarde). Para não ficar hidrófobo, deve ter nome de peixe. Quem mata um cão deve uma alma a São Lázaro. Puxando a cauda do cão toma-se ladrão. Para livrá-lo da tosse, põe-se-lhe ao pescoço um rosário feito com pedaços de sabugo de milho. Cachorro com orelha cortada na sexta-feira da Paixão fica imune de hidrofobia. Quem sofre de pesadelo deve fazer um cachorro dormir debaixo da cama. Para perder o faro, passa-se uma bolinha de sebo na ponta da cauda e dá-se-lhe a comer. Para readquirir o faro, esfrega-se-lhe no focinho sangue de tatu ou de veado..."

Dentre muitas anotadas e omitidas atrás, acrescente-se que o cachorro não deve comer carniça de animal (o matuto quando diz animal, refere-se a eqüinos, asininos e muares) sob pena de ser atacado do "mal da rabugem". Como medida curativa amputam-lhe as extremidades das orelhas.

Antônio Vicente, meão de idade, natural da Serra da Araruna (PB) e assassinado em derredor da década de 1950 para uns lados da Serra do Sincho (São Paulo do Potengi, RN) dizia de uma vacina infalível para imunizar os cachorros contra a moléstia (hidrofobia); consistia em uma beberagem de rapadura, sal e alho a ser ministrada na "força da lua", isto é, três dias antes e três dias depois da lua cheia ou nova.

Força da lua que faz cachorro mordido correr (ficar hidrófobo), os aluados endoidarem, as fêmeas prenhes darem cria e os mordidos de cobra sofrerem terrível dor de cabeça. É de se imaginar que a selenotaxia no mundo sertanejo tem material sobejo para um estudo que já está tardando.

A caipora (curupira dos índios) não é "estória de Trancoso" para a maior parte daquela gente. Ela é a mãe do mato. Ruiva, assexuada, escanchada em um porco do mato e cachimbando — faz a vez do único código de caça que existe e se conhece naqueles mundos:

Vestida só com os cabelos
é a roupa que lhe convém
............
E os tais cabelos curtos
no corpo da caipora
é como espinho de cardeiro
a ponta aparece fora

Na noite de sexta-feira, evitam andar no mato. É o receio da caipora que os persegue com um assobio fino-de-fazer-medo e açoita-lhes os cães:

Tem noite que a caipora
quer ir brincar influída
corre adiante dos cachorros,
onde quer, fica escondida
os cães pegam a uivar
a caçada está perdida

No outro dia o cachorro
amanhece todo inchado
e fica vazando sangue
o cabelo arrepiado
e não pode mais comer,
morre o cachorro afamado

A meizinha usada para livrar o cachorro da caipora é a esfregadela de alho pelo corpo. Para o bicho-homem, há outra:

Mas a caipora é muito
intrigada com pimenta
caçador que come molho
a caipora se afugenta

O caçador que tomar
amizade à caipora
tem que lhe dar muito fumo
e ver ela toda a hora
mas descobrindo o segredo
ela dá-lhe e vai embora...

A caipora às vezes vem disfarçada em outro bicho. Um sertanejo, há muito, confidenciou-me haver disparado e recarregado a capricho sua lazarina por quatro vezes em um gavião vermelho: "Olhe que não dava quinze braças pra onde eu estava agachado. No primeiro tiro o bicho se arrepiou e sujou (defecou) — pensei inté que ia cair. Depois dos quatro, já desconfiado, rebolei uma pedra e vim m’imbora..." Outro contou-nos haver atirado em um veado e esse, impassivelmente, vir farejar o pé de pau onde estava trepado. Astúcias da caipora.


(Faria, Oswaldo Lamartine de. A caça dos sertões do Seridó. Rio de Janeiro, Serviço de Informação Agrícola, 1961. Documentário da Vida Rural, 16, p.52-53)

sábado, 23 de janeiro de 2010

Carcará


Foto baixada da internet, de autoria desconhecida



Garras fortes, afiadas
Imobilizando a presa
Bico penetrando a carne
De uma vítima indefesa
Precisão em golpe presto
Crueldade em cada gesto?
Não. É sua natureza

Com agressiva frieza
E conduta assassina
O planador saguinário
Vôa pra carnificina
Não cultiva piedade?
Ou faz tudo por maldade?
Não. É só a sua sina

Sua beleza fascina
Deslizando em pleno ar
Imponente e absoluto
Domina o seu habitat
Não mata porque lhe apraz
Nem é símbolo de paz
O astuto carcará

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Chuva II


Foto tirada no domingo (17/01), da estrada da Faz. Fortaleza, em direção a Jardim do Seridó

Agora, ao final da tarde, recebi uma ligação do meu irmão José Gentil, falando-me que tinha acabado de chegar de Currais Novos e que tinha "pego chuva" de lá até Acari. E agora, chegando eu em casa, abro o correio eletrônico e leio o email transcrito abaixo, remetido por Sérgio Enilton:

Parece que São Sebastião irá cumprir as promessas rogadas para esse ano. Ontem em Acari o tempo ficou abafado, mas só a noite por volta das 19:00 horas é que caiu aquela chuva mansa e generosa. Hoje (19) véspera de São Sebastião padroeiro em várias cidades do Seridó, sua devoção faz com que o sertanejo peça em preces e roga as bençãos de um bom inverno e boa fartura protegendo das pragas e pestes. Eis que chove em Acari, já no cair da tarde (16:00) as nuvens escureceram e está caindo chuva no sertão. O trovão sempre avisando que vai cair um pé d'água.

A rua Da Matriz, próximo a agência dos Correios, tem um desnível que provoca aquele alagamento, e aos poucos a água da chuva vai lavando o calçamento. Como diz a música: "Chove chuva, chove sem parar..." A noite serena chegou e continua chovendo. É quase hora da "ave-maria".

É difícil explicar a pessoas de outras origens, esse sentimento que domina o sertanejo, quando se depara com a chuva. O que para muitos é motivo de aborrecimento, para nós é motivo de comemoração. Poucas coisas me trazem tanta satisfação quanto um banho de chuva em uma biqueira farta, estando eu no Seridó. Fico, daqui de Mossoró, morrendo de inveja da menina que, certamente, a essas alturas, sobe e desce ruas, em busca da goteira mais generosa.

Vamos torcer para que o bom prenúncio de inverno se confirme.

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

Chuva


Foto tirada no domingo (17/01), da estrada da Faz. Fortaleza, em direção a Serra da Rajada

Foto tirada no domingo (17/01), da estrada da Faz. Fortaleza, em direção ao nascente

Foto tirada no domingo (17/01), estrada que leva a Jardim do Seridó, da entrada do Bico da Arara, em direção a Serra da Rajada

Foto tirada no sábado (16/01), da estrada da prainha, em Gargalheira

Foto tirada no sábado (16/01), do Bar de Boinho, em Gargalheira

De chuvas, fauna e flora

Nos últimos dois finais de semana estive no Seridó. Já é possível contemplar a vida ressurgindo, literalmente, das cinzas. As chuvas caídas no final do ano e as demais chuvas esparsas que se precipitaram já este ano, como uma mágica, estão colorindo o cenário sombrio acinzentado. Da rodovia, é possível observar a explosão de vida que eventualmente atravessa o asfalto: preás, raposas e animais peçonhentos são os mais comuns, além da passarada. Mas no domingo (10/01) anterior ao domingo passado, após São Rafael e a caminho da BR 304 , em plena luz do dia do final de tarde, cruzou em nossa frente um gato do mato vermelho. Um animal difícil de se ver e bastante sagaz, que só tive o prazer de contemplá-lo uma única vez, a caminho do sítio, na estrada do Bico da Arara. O gato vermelho é parecido com um puma em miniatura. Lindo demais!

Então eu lembrava dos relatos (absurdos), que já escutei, de caçadores que apreciam o prato (crime), justificando que o mesmo tem uma carne saborosa, assemelhando-se ao sabor de galinha. E aí naquele momento eu pensava: - “Eu daria um galinheiro inteiro para que o gato desse uma paradinha, para que eu pudesse fotografá-lo.” Infelizmente só pude guardar o animal na lembrança, já que ao ver o carro, o mesmo mergulhou na mata, assim como na primeira ocasião.

Mas voltando ao assunto “chuva”, nos dois finais de semana as chuvas passaram bem perto da cidade (Acari), por vezes chuviscando, como ocorreu no domingo passado. As fotos acima foram tiradas no último sábado, em Gargalheiras, e no domingo, na saída para Jardim do Seridó.


Chuva


Gotas que caem do céu

Cortina que cobre o anil

Deslizando no vazio

Coloca doce no mel

Um afiado cinzel

Na habilidosa mão

Do experiente artesão

Que entalhará a vida

Sorri, a face sofrida

Força do frágil sertão


Penetra o solo sagrado

Que pisa o gado faminto

No campo, preto retinto

Brota o pasto encantado

Mesmo sem ser semeado

O verde recobre o chão

Milagre da criação

Obra-prima colorida

Sorri, a face sofrida

Força do frágil sertão


Seca a lágrima do rosto

Molhando a árida terra

Ornamentando a serra

Com o máximo bom gosto

Maltrata o corpo disposto

Calejando sua mão

Afago no coração

Que cura qualquer ferida

Sorri, a face sofrida

Força do frágil sertão


(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Palavras


O primeiro alvorecer do ano, por Canindé Soares

Peço desculpas aos que eventualmente me dão o prazer da visita a este espaço, pela minha ausência prolongada: é que o trabalho e o estudo me absorveram totalmente neste final de ano. Agradeço aos que, de certa forma, "cobraram-me" publicações, como também agradeço aos que expressaram preocupação pelo meu "sumiço" não justificado.

Palavras

Palavras provocam guerras
Ou encerram os conflitos
Muitas elevam verdades
Outras edificam mitos
O bom homem faz o uso
O tirano faz o abuso
Com embustes contraditos

Palavras são como lanças
Numa dança insinuante
Contorcendo-se no céu
Num balé dissimulante
Em uma missão hostil
Vão percorrendo o vazio
Rumo ao alvo litigante

Palavras arrasadoras
Como a larva do vulcão
Poderão desagregar
A mais sólida união
Capacidade nociva
Substância corrosiva
Força de devastação

Palavras resignadas
Emanam sabedoria
Proferidas com destreza
Dispostas com maestria
Confortando a comoção
Apascentam a aflição
Irradiando harmonia

Palavras, como punhais
Sangram o flácido peito
Singrando mares revoltos
Sagram o ímpio, imperfeito
Um belicoso arsenal
Posto a serviço mal
Ou, das virtudes, afeito

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)