segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Carne de Sol



A culinária do sertão nordestino é bastante rica e variada, mas, sem dúvidas, a carne de sol é o prato mais apreciado na região e também o mais afamado fora dela. Juntamente com os queijos de coalho e de manteiga compõem os itens mais nobres do cardápio sertanejo. Os modos de preparo dos pratos são os mais diversos e a todo dia novas e criativas receitas são criadas. Mas, e a industrialização da carne? Será que a carne de sol que compramos no açougue é a mesma que se consumia no início do século passado? 

O processo de tratamento da carne provavelmente foi desenvolvido a partir da herança cultural dos colonizadores, já que os portugueses tinham a tradição de conservar alimentos perecíveis expondo-os ao sol (frutas) ou salgando-os (peixes e bacalhau). A paternidade da carne de sol é reinvindicada e dividida entre os estados do CE e do RN, porém, indubitavelmente, o Rio Grande do Norte conservou melhor a tradição, especialmente na região do Seridó. Mas será que a carne de sol que hoje consumimos preserva o seu modo de preparo original? Será que esse traço da cultura alimentar nordestina, que rompeu fronteiras e que hoje tem apreciadores em todo o território nacional, mantém a forma de manipulação da carne intacta? Não. Apesar da preservação do hábito, o modo de elaborá-la sofreu grandes modificações.


A carne de sol que se preparava no Seridó até os anos 60, tinha um rito bem mais demorado, que levava dois dias até ficar pronta para comercialização e consumo. Normalmente, o dia de abater o gado era 48 horas antes do dia da feira semanal do município. No caso de Acari (RN), isso se dava na madrugada da sexta-feira. Após a matança(1) , a carne era desossada, divididas em mantas (2) e posteriormente colocada em descanso até “esfriar”. Logo em seguida, as mantas eram cuidadosamente abertas(3) e salgadas. Conclusa a salga, eram enroladas no próprio couro da rês e lá permaneciam durante todo o dia da sexta-feira, salmourando(4). No decorrer do dia, o couro era eventualmente aberto para que as mantas fossem viradas e, em seguida, envolvidas novamente. À noite, as carnes eram retiradas do couro e estendidas em estacas firmadas sobre forquilhas, que eram chamadas de estaleiro, e lá permaneciam no sereno durante toda a noite e madrugada do sábado. Ao amanhecer, as carnes eram viradas no estaleiro onde passaram a noite e lá mesmo recebiam o sol da manhã, que era a fase final do processo. Em seguida, as carnes, já bem curadas e enxutas, eram retiradas do estaleiro e acondicionadas, enfardando-as em esteiras, de onde só sairia para o consumidor na manhã do dia seguinte, no domingo.

Hoje o processo se resume a salga, com um abreviado tempo salmourando, que se estende até a manhã do dia da matança. Logo em seguida a carne é imediatamente acondicionada em câmaras frias, para que não haja muita perda de peso com a desidratação pelo sal.

(1) Matança - Abate de gado. O chamado dia da matança é o dia da semana em que se costuma abater gado.
(2) Manta - Peça de carne inteira. No passado, o quarto traseiro do boi, de onde é retirada a chamada "carne de primeira", era dividida em apenas três mantas: Chandanca ou chá de fora (compreendia o coxão duro, lombo paulista e picanha), patinho (consistia no patinho propriamente dito, na alcatra e no contra-filé) e chã de dentro (Coxão mole e o filé). A única peça que era subdividida antes da salga era a chã de dentro, de onde era retirado o filé, que era conservado verde (sem sal) - único pedaço traseiro que não era salgado.
(3) Abrir a carne – Cortar o músculo bovino parcialmente, sem seccioná-lo totalmente, de modo que a manta fique mais fina. Depois a carne é novamente cortada, abrindo-se sucos para facilitar a penetração do sal.
(4) Salmourar - Ato de deixar a carne desidratando, "escorrendo salmoura" após a salga. Ao perder líquido, a carne não só fica menos perecível, como também concentra mais o seu sabor.

5 comentários:

  1. Garçon, uma carne de sol dessas aí, e um livro do Pedrinho de Bel.

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  2. A carne de sol é pra já, agora o livro ainda não tá nem no forno. Vai demorar um "pouquinho"...

    Forte abraço, Cristo!!!

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  3. Uau! Que delícia de post! Hmmmmmmm!
    A culinária nordestina é tudo de bom! A minha família é de Aracaju...hehe
    Beijinhos!
    She.

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  4. Olá meu querido! Vc tem o dom das palavras, lindo coment em meu cantinho, pra variar, amei!
    Realmente nunca parei pra pensar no quanto a abelhinha que pousa em meu copo de refrigerante é forte...bela percepção! Mas quanto ao pôr do sol já tive esse prazer e lhe confesso que o pôr do sol em Arraial do Cabo, na região dos Lagos, aqui no Rio de Janeiro é lindoooooooooo demais!
    Em outros cantinhos ainda terei o prazer de ver também!
    Beijinhos!
    Sheilinha (cantinho She).

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  5. Conheço bem essa iguaria, além da linda fotografia. Abr

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