quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O Corpo e a Alma


Com o seu fardo pesado
Distante do holofote
Sob o açoite do chicote
O corpo é martirizado
No tormento é afogado

Quando a carne é agredida
Mas mesmo a grave ferida
Não o torna um infeliz
Só condena à cicatriz
Da tortura recebida

Já a alma conduzida
Pelo açoite da riqueza
Perderá toda a nobreza
Numa vida reduzida
Quando a aura é seduzida
Pela gana obscena
A ferida que gangrena
Como chaga erosiva
Sangrará em alma viva
Sem nunca ter cura plena

A mais agressiva pena
Que podemos padecer
Não esgota o prazer
Da existência terrena
Mas se a alma se apequena
Em um árido deserto
Terá um destino certo
De embuste feiticeiro
Um escravo do dinheiro
Nunca estará liberto

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Geni e o Zepelin


De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Foi assim desde menina
Das lésbicas concubina
Dos pederastas, amásio
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Com os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
"Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni"

Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme Zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do Zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo: "mudei de idéia
Quando vi nesta cidade
Tanto horror e iniqüidade
Resolvi tudo explodir
Mas posso evitar o drama
Se aquela formosa dama
Esta noite me servir"
Essa dama era a Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela prisioneiro
Acontece que a donzela
E isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão
"Vai com ele, vai, Geni
Vai com ele, vai, Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni"

Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nesta noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu Zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir
"Joga pedra na Geni
Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni"

(Chico Buarque de Hollanda)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Culto ao Sensacionalismo



Não consigo entender como é que com tantos problemas relevantes a serem aprofundados, com tantas injustiças maiores para serem noticiadas – se é que há injustiça no caso –, a imprensa abre o espaço que abriu, em todos os canais e em todos os horários, para uma ocorrência tão pouco relevante, como foi a expulsão da aluna da Uniban.

Longe de mim, querer questionar a justiça ou injustiça da expulsão, a pertinência ou não da atitude, mas será que o MEC não tinha problemas maiores para cuidar, interpelações mais importantes a fazer, que ir pedir esclarecimentos a respeito de uma decisão que pode até ser questionável, mas está longe de ser absurda - falo exclusivamente da deliberação sobre a expulsão. Para mim só há uma intenção nisso tudo: a busca pelos holofotes.

Não só o MEC, mas qualquer outra instituição pública que se meter no caso vai estar buscando exclusivamente notoriedade. Se a aluna tiver sido tratada de uma forma injusta pela Uniban, ela tem a justiça para recorrer e pelo menos mil advogados querendo pegar o caso só por um percentual da causa. Com certeza não será desamparada e seus direitos serão tutelados em sua plenitude.

A fúria insana dos estudantes no dia em que a aluna foi rechaçada é tão repugnável quanto a repercussão que o caso está tendo. Infelizmente essa publicidade toda só existe porque há quem goste. Cogito que o forte apelo é como um alimento para muitos. Qualquer assunto, por mais importante que seja, fica em segundo plano quando vem a tona um vexame escandaloso. É a baixaria como novo elemento cativante de audiência - o "Pânico na TV", da Rede TV, é o maior exemplo disso - e a sedução apelativa do culto ao sensacionalismo e ridicularização.

sábado, 7 de novembro de 2009

São Seridó Amado II



Igreja do Rosário de Caicó (RN)

Após a postagem do poema do poeta Da Mata, encaminhei um email para ele indagando alguns detalhes da sua composição, que, devido a minha ignorância, não compreendi. Então o amigo me respondeu com o email abaixo e, de quebra, anexou um texto muito interessante sobre a sua ida a Festa do Rosário de Caicó, deste ano. Em itálico segue o email explicando detalhes do poema e, na sequência, o referido texto ipsis litteris:

Caro Pedro,

Cezão é como os antigos conheciam a malária. Meu avó morreu dessa doença. Meu bisavô foi mestre escola em Caicó. O mestre Escola era um professor que ia ensinar nas fazendas . Um professor ambulante. O quadrivium do latim eram as quatro disciplinas ensinadas antigamente, aritmética, geometria, astronomia e música. Formava com o trivium, gramática, lógica e retórica, as sete artes liberais que precisava ser aprendida para ser considerado culto. "Sefus gões" é uma expressão latina que vi gravada num quadro e é uma homenagem ao padre Guerra.


Abraço,


João da Mata Costa
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Viagem à Vila Nova do Príncipe

Cinqüenta Anos depois


Para Moacy e Edjane


Da Festa do Rosário, Bar do Ferreirinha, Personalidades, Amigos e outras matérias.

“Da Mata é o Físico João / Faz do Mister o Amor”.

(Lula Pneus)

Bar do Ferreirinha 50

Em cinqüenta anos a volta. Saí de Caicó com um ano de idade numa festa de do Rosário e volto cinqüenta anos depois. Uma volta para a mãe-terra. Para o útero. Tudo é envolto num mar de significados para além do que posso escrever.

Encontro sem combinar com o meu querido tio José Paulino – Zé Baixinho, irmão da minha querida mãe. Encontro Zé Romão nos seus mais de oitenta anos. Chapeleiro antigo e amigo íntimo de papai morto precocemente.

Logo ao chegar ao Bar do Zeca Barrão encontro o famoso Bibica. Nosso candidato a governador. Quem não for babaca vota Bibica. Bibica acompanhado de um bode vende a rifa (mais uma) que sortearia o famoso animal-símbolo do sertão nordestino.

Bibica é querido de todos e está em toda parte. No outro dia Bibica está de paletó para cumprimentar seus eleitores e tirar fotos com os seus muitos admiradores.

O filho do Dinarte Mariz, o ex-reitor da UFRN Geraldo Queiroz, políticos e vereadores, professores e populares estão presentes na festa de lançamento do livro.

Outra grande figura que tive o prazer de conhecer foi o comediante Silva – Cover do Chico Anysio. Artista que esteve entre os 10 melhores do Faustão. Simpático sempre fazendo muganga com a boca e língua.

O lançamento foi um sucesso. Livro-homenagem aos 50 anos do bar do Ferreirinha, o mais tradicional de Caicó- RN. Um livro-álbum de fotografias numa justa homenagem ao bar e seu proprietário, para ciúmes do Zeca Barrão cujo bar vizinho-esquina faz encontro de cadeiras com o bar do Ferreirinha.

Estão de parabéns os autores do livro Roberto & Pituleira e o editor Abimael. São vendidos mais de uma centena de livros numa festa que durou o dia inteiro. Só interrompida para a passagem da procissão do Rosário. Animou a festa a Banda de Música Recreio Caicoense seguida por uma animada roda de samba. Dei uma canja e dancei acompanhado da grande musa da festa, a bela atriz Nina.

Ferreirinha e Anchieta, o primeiro cliente do bar - também autografaram o livro. Não faltou quase ninguém no lançamento-festa. Muito sentida foi a ausência do Moacy, mentor e prefaciador do livro.

Um grande abraço para o amigo Lula Pneus com quem tive o privilégio de conversar pessoalmente, e recebi de presente um lindo poema cujo mote é a epígrafe desse artigo.

Parabéns ao Souza por nos mostrar seu acervo de fotos antigas de Caicó e seus habitantes ilustres.

O mestre de cerimônias da festa foi o grande comunicador Pituleira.

Para completar o dia-banquete de emoção e resgate, encontro na noite Caicoense, a grande cantora Dodora e a amiga Edjane. É demais para o meu coração.

Em cada habitante um rastro. Na aspereza do ar, a rispidez da falas o orgulho do seridoense. O presente grávido do passado nutre uma grande alegria de poder estar vivendo esse momento de grande riqueza biográfica em meio século de existência.


Outras Personalidades


A casa do Passarinho Avelino

Avelino é um amigo de sempre. Fico em sua casa que é como um coração – atelier- floresta – gaiola aberta de sonhos. Em cada canto uma obra de arte da Ave-Linho.

Um quadro abstrato é uma das ultimas obras do artista. Quadro inspirado nas cercas de pedras caicoenses recebeu o título de “priquito atravessado”.

Ali adiante duas caixas de ovos pintados pelo artista passarinho. São seixos rolados de um rio que flutua feito uma rosácea-cera, ou seria Papai Noel.

Maurílio – O guardador das Horas

Na sua casa-museu guarda o tempo o agrimensor Maurílio. São dezenas e dezenas de relógios antigos que adornavam as casas antigas e marcavam as horas sertanejas de um tempo que parece mais lento. Mecanismos acionados por cordas e emoldurados por belas esculturas em madeira. Na parede da casa já não cabe tantos relógios maravilhosos. Ali um outro relógio raro que acompanha um calendário. Um outro belo relógio funciona com pilhas e os dias são marcados por laminas de aço que se sucedem.

Completa a coleção Mauriliana uma bela coleção de imagens sacras e outros objetos religiosos. Vitrolas antigas que ainda tocam discos 78 rpm. Teodolitos. Espingardas. Baús. Lanternas antigas a gás e muito mais objetos fazem parte de uma belíssima coleção de um grande gentleman e cultor das artes Um homem que vive o presente cultuando o passado e as horas das Aves- Maria.

Agradeço a generosidade do Maurílio e sua querida esposa, irmã do nosso querido amigo Avelino, pela bela oportunidade de conhecer um pouco mais a rica cultura sertaneja.

Para completar somos servidos de um bom café acompanhado do verdadeiro e único queijo de manteiga de Caicó.


Souza - O guardião da memória fotográfica.

O ex-soldado Souza é colecionador de um rico acervo de fotografias de personalidades e outras pessoas da sociedade caicoense. São muitas fotos organizadas em pastas de sacos plásticos que precisam ser melhores organizadas e arquivadas.

Grande parte da história de Caicó e seus protagonistas fazem parte do rico acervo coletados com muito amor pelo colecionador amador. Políticos, times de futebol e pessoas do povo fazem parte do acervo do Souza, que tive o privilégio de conhecer.

Tudo começou quando Souza ausente de sua cidade por longos anos, presenciou num lixo algumas fotos suas. Esse fato triste levou Souza a recuperar essas fotos e iniciar a sua prestigiosa coleção que resgata boa parte da história de Caicó desde o princípio do século XX. Muitas fotos foram copiadas de originais emprestados e outras foram resgatadas dos desvãos do tempo.

Sugeri ao simpático Souza que organizasse essas fotos numa publicação para a posteridade. O seu acervo daria um belo livro-álbum de fotografias de uma Caicó que precisa ser lembrada. Fotografias que contam uma belíssima história da grande civilização seridoense.

A Festa da Irmandade dos Negros do Rosário

No domingo 01 de Novembro de 2009 sai pelas ruas o cortejo da Rainha e Rei do Rosário acompanhado do seu séqüito de damas e corte. Um negro segura um toldo para abrigar os reis do congo. A rainha desse ano é uma senhora de pele clara que deve estar pagando promessa.

Os negros vestidos de calças e camisas azul e branco acompanham o casal real. Em seguida a banda galantemente vestida toca para alegria dos moradores e apreciadores. Emocionado sigo o cortejo até a Igreja do Rosário que espera a chegada dos reis para a grande celebração da missa das 10h. Fogos celebram o grande acontecimento. As primeiras cadeiras da bela Igrejinha do Rosário são reservadas para os negros que entram na igreja sob aplausos. Os negros portam lanças e dançam alegremente. A missa solene acontece acompanhada do belo hino da irmandade dos negros do Rosário.

No final da tarde toda a cidade aguarda para acompanhar ou saudar á grande procissão que segue novamente para a Igreja do Rosário onde será celebrada uma segunda missa, após a qual novo reinado será escolhido e o rei e rainha receberão as coroas e cetros, numa tradição que remonta ao século XVIII.

Nos dias que antecedem à grande festa dos Negros dos Rosário, eles saem pelas ruas e feira livre para angariar dinheiro e mantimentos.

Converso com seu Bonifácio que participa da festa há 60 anos. O historiador Muirakytan da UFRN/CERES de Caicó registra tudo em sua câmera fotográfica. Esqueci a minha máquina e registro o que a emoção permite numa bela e grande manifestação da cultura popular brasileira.

Essa festa é uma das mais saudosas recordações da minha mãe. Em cinqüenta anos volto á terra onde nasci e me batizei como quem volta pra casa. E fosse só por isso já merecia esse reencontro carregado da dor e alegria de poder estar vivendo um grande dia na historia de minha vida.

João da Mata Costa

Novembro 2009.

São Seridó Amado


Da Vila do Príncipe recebi o poema do caicoense João da Mata Costa, que publico abaixo:

Moxotó, camará, catingueira
Sustentam a vida
A chuva acorda a terra num
Odor de zimbro e chumbo
Meu sertão caritó
Serra Negra, Acari.
Caicó e Jardim do Seridó
Thomas- o filho - cronista
De homens-ferros,
Cachimbos, galegos
Judeus e Portugueses
A rede suspende a vida – letargia -morte
Meu avô morreu de cezão aos 33 anos
O bisavô mestre-escola
Minha avó dormia só uma madorna e
Faleceu de arteriosclerose.
Mamãe solidão
Vivendo estamos doendo
Não há fim para essa lembrança.
Engenho torto
Açúcar o sangue
Chouriço espécie
O sol a carne
Queijo de coalho e lingüiça
Fu-deu? Não, não foi Deus
Ninguém entende
Sefus gões
Quadrivium
Guerra - o Padre
Sant´anna; ensina
esse menino!

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Carne de Sol



A culinária do sertão nordestino é bastante rica e variada, mas, sem dúvidas, a carne de sol é o prato mais apreciado na região e também o mais afamado fora dela. Juntamente com os queijos de coalho e de manteiga compõem os itens mais nobres do cardápio sertanejo. Os modos de preparo dos pratos são os mais diversos e a todo dia novas e criativas receitas são criadas. Mas, e a industrialização da carne? Será que a carne de sol que compramos no açougue é a mesma que se consumia no início do século passado? 

O processo de tratamento da carne provavelmente foi desenvolvido a partir da herança cultural dos colonizadores, já que os portugueses tinham a tradição de conservar alimentos perecíveis expondo-os ao sol (frutas) ou salgando-os (peixes e bacalhau). A paternidade da carne de sol é reinvindicada e dividida entre os estados do CE e do RN, porém, indubitavelmente, o Rio Grande do Norte conservou melhor a tradição, especialmente na região do Seridó. Mas será que a carne de sol que hoje consumimos preserva o seu modo de preparo original? Será que esse traço da cultura alimentar nordestina, que rompeu fronteiras e que hoje tem apreciadores em todo o território nacional, mantém a forma de manipulação da carne intacta? Não. Apesar da preservação do hábito, o modo de elaborá-la sofreu grandes modificações.


A carne de sol que se preparava no Seridó até os anos 60, tinha um rito bem mais demorado, que levava dois dias até ficar pronta para comercialização e consumo. Normalmente, o dia de abater o gado era 48 horas antes do dia da feira semanal do município. No caso de Acari (RN), isso se dava na madrugada da sexta-feira. Após a matança(1) , a carne era desossada, divididas em mantas (2) e posteriormente colocada em descanso até “esfriar”. Logo em seguida, as mantas eram cuidadosamente abertas(3) e salgadas. Conclusa a salga, eram enroladas no próprio couro da rês e lá permaneciam durante todo o dia da sexta-feira, salmourando(4). No decorrer do dia, o couro era eventualmente aberto para que as mantas fossem viradas e, em seguida, envolvidas novamente. À noite, as carnes eram retiradas do couro e estendidas em estacas firmadas sobre forquilhas, que eram chamadas de estaleiro, e lá permaneciam no sereno durante toda a noite e madrugada do sábado. Ao amanhecer, as carnes eram viradas no estaleiro onde passaram a noite e lá mesmo recebiam o sol da manhã, que era a fase final do processo. Em seguida, as carnes, já bem curadas e enxutas, eram retiradas do estaleiro e acondicionadas, enfardando-as em esteiras, de onde só sairia para o consumidor na manhã do dia seguinte, no domingo.

Hoje o processo se resume a salga, com um abreviado tempo salmourando, que se estende até a manhã do dia da matança. Logo em seguida a carne é imediatamente acondicionada em câmaras frias, para que não haja muita perda de peso com a desidratação pelo sal.

(1) Matança - Abate de gado. O chamado dia da matança é o dia da semana em que se costuma abater gado.
(2) Manta - Peça de carne inteira. No passado, o quarto traseiro do boi, de onde é retirada a chamada "carne de primeira", era dividida em apenas três mantas: Chandanca ou chá de fora (compreendia o coxão duro, lombo paulista e picanha), patinho (consistia no patinho propriamente dito, na alcatra e no contra-filé) e chã de dentro (Coxão mole e o filé). A única peça que era subdividida antes da salga era a chã de dentro, de onde era retirado o filé, que era conservado verde (sem sal) - único pedaço traseiro que não era salgado.
(3) Abrir a carne – Cortar o músculo bovino parcialmente, sem seccioná-lo totalmente, de modo que a manta fique mais fina. Depois a carne é novamente cortada, abrindo-se sucos para facilitar a penetração do sal.
(4) Salmourar - Ato de deixar a carne desidratando, "escorrendo salmoura" após a salga. Ao perder líquido, a carne não só fica menos perecível, como também concentra mais o seu sabor.

domingo, 1 de novembro de 2009

Lua - Alma Feminina



Lua linda, radiante 
Rasga o pano da treva
No firmamento eleva
Sua face deslumbrante
Satélite cintilante
Ilumina o terreiro
É a luz do candeeiro
Na escuridão soturna
Na cavalgada noturna
Orienta o vaqueiro


Passa por trás do coqueiro
Para inspirar o pintor
Que faz da arte, um louvor
A um encanto passageiro
No peito aventureiro
Planta e rega uma semente
E o sentimento latente
Se transforma em paixão
Acende no coração
A chama do amor ardente


Companheira complacente
Na noite de boemia
Realçando a melodia
Com um cenário reluzente
Um facho de luz tangente
Se transforma em palidez
Quando reflete na tez
Da musa que nos apraz
Poesia em carne se faz
Um sonho real se fez


Com sedutora avidez
Aconselha-nos a amar
Comanda a força do mar
Com soberana altivez
Porta de um céu cortês
Em qualquer fase fascina
Enfeitiçando a retina
A sua aura prospera
Por trás da beleza impera
Uma alma feminina


A natureza sublima
Força e sabedoria
Prega sempre a harmonia
Quando agredida, lastima
Valorizada , aproxima
Com grandeza preciosa
Bela, nua, graciosa
Nos envolve em seu manto
Com misterioso encanto
Brilha a lua majestosa


(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Braço Desarmado


O que fazer com um ser livre que tem um vício que provoca imenso desconforto ou até mesmo risco, aos que o cercam? O que fazer se ele não aceita tratamento, nem o estado dispõe do aparato prescrito admitido para o caso? O que fazer se o legislador vive em um "faz de conta", habitando um mundo diverso do real, em um pais que não é o Brasil, e que cria uma legislação muito bonita, mas absolutamente inexequível e inaplicável? Sigo esta linha de raciocínio, caminhando através de indagações, para retornar a primeira pergunta, reformulando-a de uma forma mais objetiva: O que fazer com um drogado perigoso, que não aceita tratamento?

Penso que o “braço desarmado” é sempre a primeira opção para a solução de qualquer problema ou conflito. Mas a sua ação é limitada. Muitas vezes se faz necessário o uso do “braço inclemente”, a força sem complacência que reduz o irredutível.

O desabafo do pai e poeta que dizia ontem (26/10), no Jornal Nacional, que tinha sido preciso que o seu filho cometesse um crime bárbaro, uma tragédia anunciada, para que o estado desse o tratamento que ele precisa - a privação da convivência social – foi muito forte. Seria muito bom que a morte da menina não fosse em vão. Seria muito interessante que deixassem de hipocrisia: o Brasil ainda não dispõe da estrutura necessária a implementação eficiente da atual legislação. A discriminalização do uso de drogas está deixando a população entorpecida e a polícia impotente, sem capacidade de reação. Fazer o quê? Esperar o drogado cometer um crime trágico para esboçar reação?
link da reportagem no site globo.com

Braço Desarmado

Faço parte do braço desarmado

Que refuta a injusta ação legal
Tem no bem, no bom senso e na moral
Substância assaz pétrea, bem sagrado

Faço parte do braço obstinado
Legião da inquietude abissal
Que evita o decurso temporal
Adotando um compasso apressado

E apesar de agir sem violência
É fiel a resposta veemente
Mas se mesmo assim lhe faltar fluência

Então venha o braço inclemente
Com a arma letal, sem complacência
E o mal necessário, eficiente


(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)


PS: Em junho deste ano já tínhamos abordado o tema através da postagem "drogas".

sábado, 24 de outubro de 2009

Espelho


Esta semana tive contato com um cliente e amigo que me relatava um infortúnio que passou. Como jovem e próspero comerciante, tinha – e ainda tem – um futuro promissor. Mas o ano passou, quando estava no seu estabelecimento comercial, foi vítima de um assalto e acabou sendo baleado com dois tiros. Uma bala causou poucos danos, mas a outra provocou sérias lesões no seu fígado, destruindo 80% do órgão. Recuperado da fase mais traumática e após passar por uma experiência de quase morte, ele me dizia:
“- Pedro: em determinados momentos da vida a gente dá uma grande importância a coisas fúteis; ficamos transtornados com bobagens; somos vaidosos e nos sentimos poderosos; mas é tudo ilusão. Nós não somos nada. A qualquer hora podemos perder tudo. Quando eu estava quase desenganado e me deparava com minha própria insignificância e impotência, a única coisa que eu me lamentava era de não poder ver meu filho crescer. As coisas mais relevantes das nossas vidas, muitas vezes não valorizamos ou não damos a importância devida. As vezes Deus permite que certas coisas aconteçam conosco, para que possamos crescer. Apesar de tudo que aconteceu, não guardo nenhuma revolta de nada e, ao contrário, sou muito grato por tudo. Além de continuar vivo, aprendi a valorizar as coisas importantes e desprezar as irrelevantes“


Espelho


No espelho contemplamos
A nossa própria imagem
Adorando a miragem
Da nuance que sonhamos
O vulto que enxergamos
Desprovido de defeitos
Configura um sujeito
Pleno, único, infalível
Fortaleza imbatível
Ser acabado e perfeito


O rio corre em seu leito
O sol distribui a luz
O aroma, a flor produz
A conduta atrai respeito
O amor jorra do peito
A paixão concebe o cego
No poema que navego
A rima norteia o verso
No centro do universo
Faz morada nosso ego


É sedução que renego
Achar-se grande em valor
Julgar-se superior
Não é ilusão que rego
No argumento que me entrego
Não somos absolutos
Temos saber diminuto
Sequer podemos dar crivo
Se ainda estaremos vivos
Em um súbito minuto


O mais sábio e astuto
Não dá vida a uma formiga
Dos bens que a ganância abriga
Temos só o usufruto
Ninguém possui um indulto
Garantindo a melhor sorte
Um futuro que conforte
É uma esperança acesa
Mas só temos a certeza
Da inevitável morte


(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Injusta Faceta



Não concordo muito com a cobrança excessiva que os veículos de comunicação fazem de uma polícia educada e cheia de boas maneiras para a abordagem de delinquentes. Outro dia passou uma reportagem - várias vezes e em todos os telejornais - de um flagra que alguns estudantes gravaram de uma ação da polícia.  Após passarem a noite incomodando o condomínio onde moravam e depois de várias ocorrências registradas contra eles, a paciência da polícia acabou e os agentes abordaram os provocadores com uma postura um pouco "intolerante".  Pronto. Isso foi o suficiente para gerar um verdadeiro linchamento público dos policiais.  Em momento algum os repórteres perguntaram aos vizinhos dos baderneiros, o que eles acharam da ação da polícia.  As imagens foram suficiente para todas as conclusões e, como era de se esperar, os "anjinhos" se tornaram as vítimas e a polícia, a grande vilã.


Ainda não começou, mas creio que brevemente deve se dar início a um outro linchamento, no caso, da polícia do Rio. Provavelmente deve haver alguma reação mais enérgica à guerra das gangues de traficantes do Rio - que culminou na queda do helicóptero da PM, matando três dos seus ocupantes - e o juizado sumário da imprensa já deve estar montado para condenar essas futuras ações. 


Como um rasgo de espora
Quando roda a roseta
Numa injusta faceta
Minha impaciência aflora
A realidade arvora
No pacato cidadão
Grande indignação
Vendo uma errante milícia
Encurralando a polícia
Sem nenhuma apreensão


Temendo a repercussão
Que haverá na imprensa
E a crítica intensa
Contra a corporação
Não se esboça reação
Que possa dar um sinal
Firme e proporcional
Sem dó e nem piedade
Contra a marginalidade
E o poder colateral


Se um nobre policial
Cumprindo a sua missão
Encosta um dedo da mão
No couro de um marginal
Causando-lhe qualquer mal
Ou o mais sutil dos danos
Logo, os Direitos Humanos
Na sua investidura
Denuncia a criatura
Tutelando o tirano


Queria que o franciscano
Que tem por ocupação
Dar proteção a ladrão
Acoitando o fulano
Como bom samaritano
Fizesse a mesma vigília
Visitando a família
Do pobre policial
Que foi vítima fatal
De uma nefasta quadrilha


Toda a força que pilha
O poder da autoridade
Alimenta a impunidade
Fortalecendo a guerrilha
Provocando o caos, fervilha
Põe fim a ordem, arrasa
A sociedade, atrasa
O pavor a faz refém
E muitos entes de bem
Se encarceram em casa


(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

domingo, 18 de outubro de 2009

Soneto da Quase Despedida



Na fronte pálida, a relutância
Brilho profundo em olhos rasos d'água
Lágrima mansa, coração deságua
Em gestos da mais nobre elegância

Na boca cálida, serena ânsia
Decepção, que o tempo não enxágua
Singela angústia, ofegante mágoa
Não há mais aquela rara fragrância

Palavras mudas, afagando a alma
Doce veneno de uma ilusão
Constrito epílogo, veladas palmas

Não houve amor, foi apenas paixão?
Subitamente esvai-se toda a calma
E um beijo ardente é mais que um perdão

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

PS: Este soneto já foi postado no dia 06/10, no blog do poeta Lívio Oliveira, a quem agradeço a generosidade e parabenizo pelo belo trabalho que vem desempenhando naquele espaço em prol da cultura potiguar.
http://oteoremadafeira.blogspot.com/2009/10/soneto-da-quase-despedida-poema-enviado.html

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Impossível

Antes que o céu desabe
Por sobre a sua cabeça
Antes que você padeça
Sem fazer o que lhe cabe
Antes que o temor acabe
Com um anseio fecundo
Tendo um trauma profundo
Por receio do impossível
Saiba que ele é o combustível
Que movimenta o mundo

Mergulhando em seus sonhos
Aprendeu a navegar
Desceu ao fundo do mar
Mesmo com pavor medonho
Enfrentando os seus demônios
Voou na imaginação
Inventando o avião
E numa vaidade sua
Decidiu chegar a lua
Só por pura obsessão

Não existirão fronteiras
Que jamais serão transpostas
Nunca faltarão respostas
Para indagações obreiras
As verdades passageiras
Ou permanentes tabus
Covardemente seduz
Levando a estagnação
E um véu de escuridão
Se põe em frente da luz

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Soneto do Trovão – Poder Prescrito


Ecoando de um raio sagaz
E irrompendo das nuvens, imponente
Amedronta a carne inocente
Sem sequer fissurar frágeis cristais

O rugido estridente é fugaz

Forte brado, lamento impotente
Um poder que já não se faz presente
O passado não guarnece bornais

O sucesso que o abandonou, só
Dissipou toda a glória no vento
Sua nobreza só vai lhe trazer dó

Aumentando a carga de tormento
Num reinado que há muito virou pó
Jaz um corpo que aguarda o seu momento

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Paredão


Parede do Açude Umari, em Upanema (RN) 

Paredão para mim é esse aí.  O resto é brinquedo que faz zoada e incomoda, de adolescente besta, que gosta de aparecer.


Hoje em qualquer cidade
Não há local de sossego
Na periferia ou centro
Não existe aconchego
A partir da invenção
Desse tal de paredão
Só quem dorme é morcego


É uma grande besteira
Procurar a autoridade
Hoje é um só delegado
Pra seis ou sete cidades
Com o carro indisponível
Por falta de combustível
Fica sem mobilidade


Certo dia, uma turma
Curtindo a sua noitada
Com um som amplificado
Em uma hora avançada
Certamente se lixando
Por se encontrar profanando
Uma norma que é sagrada


Um marchante diplomado
Pela escola da vida
Sendo aluno laureado
Sem matéria repetida
Vai pedir para baixar
Aquele som "de lascar"
Que incomoda a avenida


Precisando descansar
De uma labuta pesada
Querendo se recolher
Na sua hora marcada
Se depara com a conduta
Daqueles “felasdasputa”
Que deixa a rua acordada


Tinha uma moça magrela
Das pernas "fina" e zambeta
Parecia que sambava
Pilotando uma lambreta
Seu corpo foi inspirado
Num desenho inacabado
De um chassi de borboleta


Um macho da bunda grande
Dançava a quebradeira
Rebolando até o chão
Balançando as cadeiras
Vez por outra toca um funck
O nego dá um arranque
Feito um fusca na ladeira


O trabalhador cansado
Doido pra curtir seu sono
Se dirige ao quartudo
Que do paredão é dono
Antes, mesmo, de falar
Ouve: - Nem venha chorar
Meu sonzão eu não raciono


Paciência tem limite
E momento de acabar
De tanto pedir a eles
A fineza de baixar
Pensa: - Só podem ser loucos
Ou então devem ser moucos
Pra conseguir suportar


Depois de se rebaixar
Mesmo com toda razão
Se vê desmoralizado
O humilde cidadão
Decide fazer besteira
Puxando a faca peixeira
E empunhando o facão


Diz: - Mulher traga a bacia
Grande, de "aparar fato"
E a vara de virar tripas
Deixe que eu mesmo trato
O da bunda empinada
Vai virar uma buchada
É o primeiro que eu mato


O sujeito quando viu
O brilho da "lambedeira"
Suspendeu o rebolado
Disparou numa carreira
Quase que “arreia o barro”
Antes de saltar no carro
E engatar a primeira


Nem se lembrou que o reboque
Tava em mau posição
Com energia ligada
Através da extensão
Quando o carro disparou
O fio se esticou
Partindo a fiação


Foi fogo pra todo lado
Antes do som se calar
Na posição que estava
Não foi possível aprumar
O reboque capotou
O sonzão se espatifou
E a paz voltou a reinar


O restante da história
Nem precisa dar guarida
A “mundiça” se encantou
Ohh povo bom de corrida
Só a zambeta magrela
Que ninguém, depois, viu ela
Permanecendo sumida


Encontraram a menina
No terceiro amanhecer
Pense numa cena linda
Que só vendo, para crer
Aquele resto de feira
Trepada numa craibeira
Sem conseguir mais descer


(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)


A história toda é uma ficção, porém alguns termos são influenciados pela "lenda rural" narrada por Everaldo Cabeção e registrada por Jesus de Miúdo, em seu blog: http://acaridomeuamor.nafoto.net/photo20090724213939.html


Dedico ao acariense Everaldo esta postagem e me solidarizo com ele, pela perda do seu pai, Joaquim de Cristóvão, ocorrida esta semana.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Poesia



Confesso que, como aprendiz de poeta de cordel, só me sinto a vontade escrevendo com métrica e rima. Algumas vezes já ensaiei algo não metrificado, mas acaba não saindo nada. Ontem (06/10) tentei definir a poesia, buscando uma abstração maior, sem métrica e com uma rima menos rigorosa. Quando terminei, achei que tinha conseguido. Ledo engano. Relendo, vi que não tinha abstração nenhuma, pois em vez de poesia, eu tinha descrito uma mulher. E o poema acabou seguindo uma estrutura métrica sem obedecer nenhum padrão, mas com uma sequência lógica de rimas, sendo que os dois primeiros versos de cada estrofes tinha 4 sílabas poéticas e o último com 10 sílabas até a última tônica. Sei que pai nenhum vai achar seu filho feio, mas confesso que gostei: simples e charmosa.


És a poesia
Em versos curtos
Cabelos longos de pele macia


Há harmonia...
Cada palavra...
Em cada parte do corpo há encanto


Causa espanto
Palavras frias
Pura sinceridade indolente


Em versos quentes
Respousa a alma
Até na calma, jaz inconsequente


(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Sabedoria do Sertanejo


Buscando conhecimento
Perguntei ao sertanejo
Observador constante
Não vive só de lampejos
- Onde está a fortaleza
Das forças da natureza?
Ele disse: - No Desejo


- Para conter uma moça
Nem a muralha da china
- Nada inibe o alpinista
Nem a mais alta colina
- A própria água do rio
Vence qualquer desafio
Até o mar, sua sina


Vendo que ele filosofa
Quis ouvir seu coração
Perguntando ao sujeito
A sua percepção
Procurei ser mais profundo:
- Que você acha do mundo
E da civilização ?


- O mundo é um presente
Perfeito que Deus nos deu
- O homem o mais perverso
Vivente que já nasceu
- Essa tal humanidade
Com Seu Filho foi covarde
Mas por ela, Ele morreu


Confesso, dei um suspiro
Diante da sapiência
Resolvi explorar mais
A profunda inteligência
Indagando ao cidadão
Sua maior ambição
Que fascina a existência?


- Depende da referência
E individualidade
- O sonho para alguns
Não é unanimidade
- Uma chuva no sertão
E um prato de feijão
Bastam a minha vaidade


E eu achando que um carro
Ou um bonito aposento
Pra quem mora num casebre
E viaja num jumento
Era o sonho de consumo
Mas sua ambição, presumo
Só Deus dá o provimento


(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)