quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Pai


Passos largos, passos firmes
Braços justos, braços fortes
Mão aberta, mão que age
Peito aberto, peito norte
Alma boa, alma nobre
Paz na vida, paz na morte

Seu legado, sua sorte
Referência concebida
A existência finita
Numa infinita vida
O céu na terra de fel
O mel de cada ferida

Uma herança recebida
Prudente orientação
O caminho a seguir
Sem seguir na contramão
Um ascendente respeito
Admirável lição

Parece que some o chão
Se do nosso lado sai
Escada sem corrimão
O corpo trôpego cai
Terá imenso vazio
Quando lhe faltar o pai

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Vegetação do Seridó


A árvore fotografada é uma faveleira, com uma jitirana (cipó/trepadeira) florada, ornamentando a árvore desfolhada.

Outro dia, após a postagem do poema Tempo III, recebi um email de um frequentador deste espaço, fazendo-me a gentileza de uma correção - que, de qualquer forma, sou-lhe grato. O amigo corrigia o verso "Tal qual um forte inverno/Que o verão logo alcança", afirmando que a estação que sucede o inverno é a primavera. Na ocasião, retornei o email agradecendo a contribuição dele e, ao mesmo tempo, explicando-lhe que não me referia às estações do ano, no sentido literal. Na realidade o verso do poema tem a conotação climática do nosso sertão, de uma forma empírica e não científica.

A nossa região, devido a proximidade com a Linha do Equador, tem um clima bem diverso das regiões mais próximas dos polos do globo terrestre, de clima temperado, e os equinócios e solstícios, que marcam as mudanças de estação, são pouco percebidos. O homem do campo não trata o verão como uma estação do ano. O verão é visto como o período da estiagem e se estende pela maior parte do ano. Já o inverno, corresponde ao período das chuvas. São essas as conotações que o poema reflete.

Em um ano normal, as chuvas - nosso inverno - ocorrem entre os meses de fevereiro e maio, tendo uma maior frequência e intensidade nos meses de março e abril, com grande variabilidade e incerteza de ocorrência. Ou seja, o nosso inverno às vezes se inicia no verão e tem a sua maior intensidade no outono. E o nosso verão vai do inverno ao verão, passando pela primavera. Quando fazia esses esclarecimentos ao amigo, veio a ideia de tentar relacionar a nossa vegetação aos seus períodos de floração, para evidenciar a pouca correlação com a estação das flores: a primavera.

Apesar de haver uma maior incidência da floração da vegetação da caatinga, nos períodos relacionados, a sua ocorrência se dá, principalmente, em função das chuvas. Portanto os períodos sugeridos podem sofrer alteração em função da irregularidade das chuvas.

Segue, abaixo, a relação das principais plantas arbóreas e cactos que ocorrem no Seridó e seus respectivos períodos de floração. A informação é baseada em simples constatação do homem do campo e apenas me dei ao trabalho de colher e consolidar, não havendo nenhum valor científico.


Planta FloraçãoEstação
Angicosdez/janverão
Aroeiraout/novprimavera
Braúnaout/novprimavera
Cardeiroprimeiras chuvasverão
Catingueiramar/abroutono
Craibeiraset/novprimavera
Cumarujun/julinverno
Facheiroprimeiras chuvasverão
Faveleiramar/abroutono
Imburanafev/marverão
Imbuzeironov/dezprimavera
Juazeiromar/abroutono
Jucánov/dezprimavera
Jurema*mar/abroutono
Maniçobaabr/maioutono
Marmeleiromai/junoutono
Mororómai/junoutono
Mufumbomai/junoutono
Mulunguago/setinverno
Pau-D'arcoago/setinverno
Pereirojan/fevverão
Quixabeiraout/novprimavera
Xique-xiqueprimeiras chuvasverão


(
*) A jurema também costuma florar fora de época, quando da incidência de chuvas isoladas.

PS: Agradeço a José Gentil e Gustavo Braz pelo auxílio na coleta e consolidação das informações relativas às floradas.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Vaquejada




Sempre tive uma grande paixão por esse esporte genuinamente nordestino, que, em um passado remoto, correspondia à extensão do cotidiano do nosso vaqueiro. As demonstrações de valentia e de coragem eram coroadas, na maioria das vezes, exclusivamente pelo prazer de ter seus dotes reconhecidos.

Presentes nos paitos1, em situação de igualdade, estavam cavalo, boi e vaqueiro. Também, em situação de igualdade, estavam o vaqueiro autêntico e o vaqueiro da cidade. A interação, as brincadeiras, as demonstrações de habilidade, combinados com a imprevisibilidade decorrente de animais treinados para a lida, mas não para o esporte profissional; e de vaqueiros acostumados a realizar proezas no seu dia-a-dia, como parte do seu ofício, não como exclusivo meio de vida, davam um encanto especial ao esporte.

A boiada corrida2, irregular, composta por bois e novilhas de portes variados – predominantemente graúda - e características pouco homogêneas; os cavalos acostumados a correr no mato, não em uma pista com espaço delimitado; competiam com os mais afeitos àquelas condições, que montavam animais mais qualificados. Mas a graça do evento eram as cenas inusitadas e exclusivas proporcionadas a cada decida do boi: cavalo cabeando3 ou se acuando4 ao adentrar na arena; boi driblando vaqueiro de ponta a ponta do paito ou partindo na frente em disparada, aplicando-lhe o famoso e humilhante cambão5; vaqueiro derrubando boi distante do alvo (faixa); cavalo empinando6 no mourão7 ou tomando as rédeas8 e desembestando9 na corrida; eram os temperos da festa.

O vaqueiro estava sempre diante do imprevisível: a reação do seu cavalo; o tipo de boi que pegaria; e a sua pouca habilidade em conduzir o animal naquelas condições. Mas aí residia o encanto de tudo. Aí se encontrava o prazer de frequentar ou simplesmente assistir a uma vaquejada.

Apesar de atualmente dificilmente correr, continuo a gostar de vaquejada. Mas, cá pra nós: que a evolução do esporte o transformou numa covarde monotonia, com certeza transformou. Principalmente nas grandes vaquejadas, nos eventos de alto nível, olhar uma carreira na fase de classificação é o suficiente para ver todas. Cavalos impressionantemente avantajados, muito bem tratados e treinados; vaqueiros que não fazem outra coisa na vida a não ser treinar a semana toda, munidos de luvas que são verdadeiras navalhas; e, por último, uma boiada toda igual, não corrida, que se não cair, rendendo10 qualquer coisinha, na maioria das vezes terá a calda do seu rabo amputada, com precisão cirúrgica.

O pior de tudo é que aquele que emprestou seu nome ao esporte, aquele do qual o esporte se origina a partir da sua rotina diária, o vaqueiro original, não só perdeu o espaço, como também perdeu o nome que cedeu ao esporte. Se entrar na pista com um cavalinho pé-duro11, menos vistoso ou se for dos que gostam de já sair pegado na calda da rês ou se não souber desfilar com a pose que os “vaqueiros” modernos criaram como padrão, são rotulados pejorativamente de jacus12 ou de mandioqueiros12.

A ostentação e as mostras da forte saúde financeira dos que hoje praticam o esporte é algo impressionante, saindo, muitas vezes, do campo da extrema vaidade e entrando na esfera da humilhação aos que não foram tão bem favorecidos financeiramente pelo destino. Só exemplificando, já achava um excesso a escovação dos animais entre uma carreira e outra. Então, outro dia, vi, em uma grande vaquejada, um zelador de cavalos tendo que escovar os testículos de um animal no corredor do retorno, sem que o “vaqueiro” sequer parasse o animal para facilitar o “trabalho” do pobre infeliz, em frente a uma arquibancada lotada. Acho que para tudo há um limite, inclusive para a vaidade.

Excessos a parte, ainda bem que a essência e o charme da vaquejada do passado ainda tem espaço nos palcos menos vistos. Nos bolões13 e nas mini vaquejadas promovidas nos sítios, ainda é possível ver um cavalo que não seja Quarto-de-Milha14 com papel15, correndo. Também é possível ver, descendo na boiada irregular, o vaqueiro. Não precisa dizer que a cada apresentação, a deparação com o imprevisível e que em cada carreira, uma bem explícita e aparente diferença da outra.

(1) Paito - Palavra derivada de "pátio", mas com um sentido próprio e completo. Representa a arena onde se pratica a vaquejada O mesmo que "pista de vaquejada", local destinado a prática do esporte. As outras definições mais usuais "parque" e "pista" necessitam de ser compostas com o substantivo "vaquejada" para dar sentido exato a expressão.
(2) Boiada corrida - Gado que já tem experiência de pista e procurará se defender, dificultando o trabalho do vaqueiro.
(3) Cabear - Abanar o rabo. Agitar a cauda insistentemente, às vezes girando compassadamente como um ventilador.
(4) Acuar-se - “Armar o circo”. Desobedecer o ginete, fazendo de tudo para não correr.
(5) Cambão - Quando o boi dispara na frente e não permite que o vaqueiro sequer pegue na sua calda.
(6) Empinar - Erguer as patas dianteiras, apoiando-se apenas nas traseiras.
(7) Mourão - Tronco de madeira onde a porteira é firmada e representa o local onde o vaqueiro aguarda a saída do boi, no momento que antecede a carreira.
(8) Tomar as rédeas - Quando o cavalo resolve agir por conta própria, não atendendo aos comandos do vaqueiro.
(9) Desembestar - Sair em disparada desenfreada.
(10) Render - Demorar a cair, segurando-se em pé.
(11) Pé-duro - Animal adaptado a região, aclimatado, derivado das primeiras mestiçagem de raças trazidas para a região. Normalmente são animais rústicos, vigorosos, de porte mediano, cascos fortes e que, ao contrário dos Quartos-de-Milha são perfeitos para a lida diária do semi-árido.
(12) Mandioqueiro ou Jacu – Rótulo descriminatório aos que praticam o esporte, sem a mesma técnica dos profissionais. Até pela origem da palavras se percebe que não são modos de tratamento oriundos da nossa região (Seridó), pois o Jacu não é uma ave nossa e a mandioca só é cultivada em pequenas faixas de terra mais úmidas e férteis.
(13) Bolão – Pequena vaquejada sem premiação predefinida, onde os prêmios pagos aos vencedores são atribuídos a partir de um percentual das senhas vendidas.
(14) Quarto-de-Milha – Raça de cavalos originária dos EUA. Animal de grande porte e extremamente musculoso, especializado em corridas curtas (um quarto de uma milha), que tem se mostrado ideal para a prática da vaquejada profissional.
(15) Com papel – O mesmo que "com registro". Animal de raça, com pedigree.


sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Porteira Velha


Foto: Kaurê Martins

Porteira velha, emperrada
O seu fim é um suplício
Lá bem longe, no início
Quando tu foste sentada
Com capricho, acabada
Dava gosto de se ver
Até o som do “gemer”
Que do atrito advém
E toda porteira tem
Ouvi-lo dava prazer

A boiada esperava
Paciente, sua hora
Prosseguindo, sem demora
Quando o guia escancarava
E o vaqueiro que guiava
Chamava o gado, aboiando
O rebanho, atrás, urrando
Como que compreendendo
No mesmo tom respondendo:
- Dá licença, vou passando

Por ti passava o vaqueiro
No seu burro bem zelado
E o careto, calçado
Que montava o fazendeiro
O trabalhador, meeiro
Tangendo o seu jumento
Carregando seu sustento:
Milho, feijão, melancia
Mas chegando ao fim do dia
Por ti só passava o vento

Ou melhor, vou corrigir:
Pela sua imponência
Sem a sua anuência
Não passava por ali
Nada podia seguir
Em ti, tudo esbarrava
O vento lhe respeitava
Desviando noutro prumo
O preá mudava o rumo
E nunca lhe afrontava

Como que em um quartel
Que se bate continência
Saudando na reverência
A patente coronel
Até as aves do céu
Respeitavam, ao pousar
Escolhendo pra sentar
Na cerca que segue ao lado
Nem os touros do cercado
Ousaram em ti marrar

Mas da glória do passado
Só lhe resta o gemido
Soando bem mais sofrido
Quando sendo acompanhado
Do ruído do arrastado
Quando roça pelo chão
Que cruel humilhação
Ver a mais bela porteira
Perto de virar fogueira
Ou lenha para o fogão

Em vez de gado no pasto
E porcada no chiqueiro
Com galinhas no terreiro
E um cachorro bom de rasto
Um belo roçado, vasto
E muito peixe no rio
A natureza no cio
Com fartura que nos pasma
Só nos restou um fantasma
De tudo que existiu

Sou o mourão que a sustenta
E nunca cedeu um palmo
Confesso, não estou calmo
E nada mais me alenta
O futuro que se aventa
Machuca mais que lancete
Eu afirmo, sem falsete:
Desejo que o cupim
Possa abreviar meu fim
A ter que firmar colchete

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)



quinta-feira, 3 de setembro de 2009

À Lua


Lua linda, inspiração
Espelho da natureza
A refletir a beleza
E insuflar a paixão

Lua linda, inspiração
Mesmo sendo verdadeira
Não transportas a fogueira
Que arde no astro irmão

Lua linda, inspiração
Reina à noite, absoluta
Na aurora, se oculta:
Humilde resignação

Lua linda, inspiração
Minguante, subtraída
Pelo o ocaso atraída
Abraçando a solidão

Lua linda, inspiração
Nova, a esperança aquece
Em todo fim, resplandece
A luz da ressurreição

Lua linda, inspiração
Crescente, logo empreende
Quando sua força ascende:
Fase de maturação

Lula linda, inspiração
Cheia, espalha seu manto
Do apogeu do encanto
Ao cume da sedução

Lua linda, inspiração
Surgindo no horizonte
Com um flerte, ergue a ponte
Que nos leva a ilusão

Lua linda, inspiração
A luz que em ti se projeta
Segue uma linha reta
Que penetra o coração

Lua linda, inspiração
O amante se exaspera
O poeta te venera
Cravejado de emoção

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)