domingo, 31 de maio de 2009

Acauã


O belo e injustiçado falcão acauã (foto extraída da internet)

A Serra da Acauã está localizada em Acari (RN), próxima à divisa com Currais Novos (RN).
A foto foi batida de cima da Serra do Chapéu, por David Clemente.

Temos um tributo de gratidão a essa ave que empresta seu nome não só a serra acima, mas também ao rio mais importante de Acari: o Rio Acauã, que é represado pelo Açude Gargalheira.
Ela pode ser encontrada em boa parte do continente americano, que vai da Argentina, ao Sul do México, passando pelo Brasil. Fixa território nos aceiros de matas virgens e florestas, onde se alimenta basicamente de serpentes. Porém seu cardápio inclui ratos e morcegos, atuando como importante agente do equilíbrio ecológico. Infelizmente, na nossa região, recebeu o rótulo de agourenta, pecha que se alterna, em outras regiões, com a fama de mensageira da sorte, através do seu canto único e inconfundível. Sugiro o link www.avespantanal.com.br/paginas/index.htm e o www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/acaua/acaua-2.php para os que desejarem conhecer um pouco mais sobre esse belíssimo falcão.

Acauã

Dizem que seu canto é triste
Que é uma ave agourenta
Que a chuva, afugenta
Que a morte, atraíste
Dizem que descoloriste
O verde da natureza
Retirando a beleza
Tudo, em cinza, transformou
Se a acauã cantou
O eco foi a tristeza

Melodia da desgraça
Provoca ranger de dentes
Traz pavor a muitos entes
Assusta por onde passa
É uma grande ameaça
Quem escuta se acanha
A angústia se assanha
Provoca grande temor
Um som ameaçador
O azar lhe acompanha

Covardemente acusada
Sem direito a defesa
Sentenciada e presa
Sem nunca ter feito nada
Mas por que ser condenada
A uma pena que é eterna?
Mesmo assim não consterna
O homem que difamou
Maldosamente privou
Da convivência fraterna

Só os ratos e serpentes
Esses, sim, devem temê-la
Desaparecem ao vê-la
Escapolem, de repente
Continuando presentes
Ela se lança no ar
Mergulha para agarrar
Com força descomunal
Pra num aperto fatal
A sentença executar

Quem conhece ou descobre
Essa ave de rapina
Sabe que a sua sina
Não é a pecha que a cobre
Acauã é ave nobre
Merece admiração
Incansável guardião
Imponente e sagaz
De agouro, nada traz
Quanto é belo esse falcão!

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Ensaio Sobre a Loucura


Esse ministro deve ser louco


Já esse deve ser são

Onde mora a loucura? Parece ser uma indagação que merece uma resposta simples e óbvia, mas andei procurando respondê-la e não consegui sequer uma aproximação. No ceticismo consciente ou na indignação juvenil? Na aceitação da legalidade amoral ou na recusa à licitude injusta? Na tolerância conivente com o repugnável ou na repulsa veemente diante das posturas não éticas? Na indiferença pragmática ou na entrega a uma causa "impossível"? No padrão promíscuo ou simplesmente na fuga do padrão?

A definição convencional da loucura me parece mais um rótulo, uma pecha colocada naquele que ousa fazer algo que falta coragem aos "são", um fardo a mais para ser carregado por quem já se encontra com um peso demasiado nas costas, próprio das causas nobres. É mais fácil taxá-lo de louco, que fazer o que foi ousado por ele. Ocupar aquela trincheira fétida? De jeito nenhum. Andar descalço, num caminho sinuoso de espinhos? Nem pensar. Então, já que falta coragem aos "são", até mesmo para um apoio moral, é mais fácil ironizar e ridicularizar, encobrindo, assim, as suas frustrações e os seus temores. Vale tudo para esconder que a sua própria luz é opaca. Até mesmo, apagar o brilho das estrelas e das constelações.

Os "sãos" são "sabidos", "vivos", "espertos", podendo ter ou não escrúpulos. Os "loucos" são "bestas", "sonhadores", "otários", que são capazes de passar por cima de tudo, menos dos seus princípios e dos seus ideais. Os "sãos" podem até sonhar com um mundo melhor, mas jamais serão capazes de mover uma única palha para isso. Só os "loucos" buscam a realização dos sonhos ditos impossíveis, mesmo que para isso custe a humilhação e a indiferença, obstáculos mais difíceis, dentre os muitos que terá de transpor.

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

terça-feira, 19 de maio de 2009

O Papudinho







Papudinho é um sujeito
Que vive para a cachaça
Sua sede nunca passa
Esse é o seu defeito
Bebe por ser liquefeito
Sólido, comê-lo-ia
Sua sede irradia
Só não entorna dormindo
Se não estava ingerindo
É porque de febre ardia

Não existe simpatia
Nem conheço reza forte
Não há nada que conforte
Só uma cerveja fria
Se tem outra companhia
Estando em consciência
Nada tem eficiência
Pra curar a sede eterna
Só enchendo uma cisterna
E afogando a dependência

Se tá na abstinência
Quando a ressaca tá feia
Com pouco álcool na veia
Começa a turbulência
Situação de carência
Tremendo mais que toyota
Pede logo uma meiota
E toma quase dum gole
Bebendo de ficar mole
No meio fio, capota

Sua quartinha não lota
Parece esgoto geral
Chupa um imbu com sal
E logo uma ideia brota
Se encharcado, arrota
Ficando pronto pra guerra
No boteco se emperra
Com o copo não enrola
Saindo de padiola
Na hora que a farra encerra

Não tem muro, não tem serra
Pra impedir o rapaz
Na sua sede voraz
O caminho nunca erra
Parece que a cana berra
E logo o pingunça escuta
Com certeza absoluta
Advinha farra a légua
Esse filho de uma égua
Tem premonição astuta

Capaz de tomar cicuta
E nem sequer ficar tonto
Bebe até ficar pronto
Tudo que seu vício incuta
Essa é sua conduta
Um gole não satisfaz
Só a cana lhe dá paz
Emborca de copo cheio
O alcool é um devaneio
Que em sua mente jaz

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)



domingo, 17 de maio de 2009

Centro do Universo


Gargalheira, com a ilha ao meio encobrindo a represa e proporcionando uma visão separada da água que banha a vila(direita) e da água que banha a parede (esquerda)

Visão da porção localizada ao final da represa, em direção a Bulhões


Chuva registrada de cima da serra de Lagoa Seca

Feriado de primeiro de maio, dia que sucedeu às comemorações do cinquentenário de Gargalheira. Depois de um prazeroso banho de chuva em Acari, bate a vontade de dar uma olhada na chuva, de cima da Serra de Lagoa Seca, popularmente conhecida como Serra da Telern. Fazia muito tempo que não subia aquela serra, então ligo para o amigo Jesus de Miúdo, que de pronto topa o convite e juntos seguimos para o mirante, em forma de lajeiro, que existe no seu cume. Acesso fácil, subida rápida de carro e em poucos minutos estamos nós, entre nuvens, a admirar a beleza do cinquentão.

Centro do Universo

O centro do universo
Fica naquele local
Onde os sonhos orbitam
No seu eixo principal
Quimera abençoada
Quase um conto de fadas
Dentro do mundo real

Nesse canto magistral
Nosso umbigo foi cortado
E na porteira da vida
O cordão foi enterrado
O lugar que me refiro
Bem no primeiro suspiro
O viver foi inalado

Pelos ares encantados
O choro se espalhou
Esse pranto desejado
É sopro do criador
Que concebe uma vida
Em uma terra querida
Recanto de sonhador

No solo onde pisamos
No primeiro levantar
É o chão que desejamos
Poder nele descansar
Na hora que o Pai eterno
No seu abraço fraterno
Decidir nos elevar

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)

PS: Com relação à postagem anterior (Bico da Arara), gostaria de complementar o texto, respondendo ao questionamento do amigo Milton Simão, que por email me indagou a respeito da altitude da serra. A sua altura em relação ao solo, não tenho a informação, mas em relação ao nível do mar ela se encontra a 654 metros. Só para comparação, Martins fica a 760 metros do mesmo nível, Serra do Maracajá (Cerro-Corá) 691 metros e o Pico do Cabugi, em Lajes, 590 metros.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Bico da Arara


Bico da Arara visto da janela da casa, ponto de partida e de chegada


Chegada: eu e o mestre Carlilhos


Andorinhas saindo da gruta


Andorinhas próximas à gruta

.
Céu de andorinhas (pontinhos pretos desfocados)


Rio do Ingá e a casa de onde partimos e onde chegaremos


O mundo aos meu pés


Visão de dentro do Bico


Dentro do Bico. Somos um nada diante da grandeza e beleza do universo


Acesso ao Bico


Serra da Rajada, despontado em frente ao Bico


Lageiro ao lado do Bico. Meu Deus...


Vista lateral


Lajeiro ao lado do Bico


Vista de trás, um pouco à esquerda do Bico


Matando a sede com um cipó de mucunã


Pé de cambucá entre as pedras: nenhum fruto


Riacho subterrâneo


Rapadura é doce, mas né mole não


Saimos da gruta em direção ao cambucá. O rio serpenteia já distante


Portinhola de coleta do esterco, na gruta das andorinhas


O Bico se aproxima. Nos desviamos à direita, com destino à gruta


Início da subida. O Rio do Ingá vai se distanciando


Saída do Sítio Ingá, rumo ao Bico da Arara

Sábado à tarde (02/05), retornávamos eu, Zé Gentil (meu irmão) e Carlinhos de Damião da Caern, de uma vacina de gado no Sítio Cajueiro, seguindo pela estrada do Bico da Arara rumo a Acari. Ao passarmos em frente à serra que dá nome a estrada, Carlinhos sugere: - A gente podia combinar uma subida ao Bico, qualquer dia desses. Zé Gentil concorda: - Era bom não demorar, para não deixar a coisa esfriar. Então, já que deixaram a bola quicando, eu sentencio: - Vamos amanhã.

Dito e feito. Conforme combinado, quatro da matina, estou eu no café do mercado. Ligo para Zé Gentil, que já estava com uma desculpa na ponta da língua, para não ter que sair da cama, depois de um dia enfadonho. Primeira baixa. Então penso: - Será que o outro também vai desistir? Quando me preparava pra ligar, ao sair do mercado, dou de cara com o sujeito: - Viagem de pé? Pergunto eu. - E eu lá sou homem de quebrar trato. Responde o Mestre Carlinhos, de bate pronto. Entramos no carro e seguimos viagem.

Cinco e meia da manhã, estávamos nós no Sítio Ingá, em frente à casa de João Maria, morador do lugar, que se comprometeu conosco, na tarde anterior, em nos encaminhar até a vereda que conduziria a gente ao topo da serra.

O roteiro seria: 1) gruta que serve de retiro para as andorinhas, na sua rota migratória pelo Atlântico; 2) colher um fruto originário da Mata Atlântica que, na nossa região, só se tem conhecimento da sua existência na Serra do Abreu e na Serra do Bico da Arara, chamado Cambucá; 3) a última parada é o topo do Everest, Bico da Arara.

Após atravessarmos o Rio do Ingá, João Maria nos larga na vereda e seguimos serra acima, sem nenhuma pressa e com o único compromisso de admirar o que é belo. A todo instante parávamos para registrar os diversos cartões postais que iam se descerrando em todas as direções. Pegamos um desvio da vereda à direita, seguindo para a gruta que se localizava no meio da serra.

Primeira parada: chegamos em um horário que ouvíamos o diálogo das andorinhas, mas elas estavam enfurnadas e não era possível vê-las. Então demoramos pouco. Apenas batendo algumas fotos para depois seguimos para o lado esquerdo da serra, rumo ao cambucá.

Antes da segunda parada, descemos num sovaco de serra à esquerda, passando por sobre um riacho subterrâneo, onde escutávamos o chiado da água que descia serra abaixo, escondida por baixo das pedras que serviam de escudo. O líquido raro, que alimenta a vida do meu árido Seridó, murmurava: alimentava a nossa alma.

Segunda parada: decepção. Os pés de cambucás não estavam carregados. Nenhum fruto, nem sequer sementes encontramos. - Tem nada não. Será motivo para um retorno em breve, se Deus nos permitir.

Partimos para o Bico. No meio do caminho a sede aperta e é o jeito nos virarmos com a água preciosa de cipós de mucunã, antes de seguirmos rumo ao destino final. A pedra quase mítica se aproxima. Confesso que a cada passo que nos leva a ela, vou sendo tomando por uma inesperada ansiedade.

Ao chegarmos ao lajeiro vizinho, que é um pouco mais alto que o Bico, é só deslumbre: indescritível beleza. Bonito demais! A serra nos recebe com uma brisa mansa e fria, tocando nossas faces, com a sutileza de um carinho materno: um afago nos nossos corpos exaustos. Só o frescor do clima serrano já teria valido a pena todo o esforço desprendido na subida.

Aportamos no destino final: objetivo alcançado. Não há o que dizer. A única coisa a fazer é nos entregamos à contemplação da grandeza do infinito: O Grande Arquiteto do universo é O Cara.

Na volta, o cansaço começa a bater forte, mas ao vermos a revoada de andorinhas, resolvemos voltar ao local da nossa primeira parada, na subida. Infelizmente o fotógrafo não tem capacidade de um registro mais qualificado da saída da gruta. Mas é uma cena belíssima! As andorinhas parecem flechas disparadas da gruta, rumo ao céu. Projéteis alados são arremessados em uma velocidade impressionante, que só um equipamento fotográfico profissional seria capaz de paralizar aquele momento, em uma fotografia que retratasse a beleza da rajada de pássaros.

Após retornarmos ao nosso ponto de partida, um cafezinho flertando o Bico pela janela, com a sensação de objetivo atingido e apalavrando o retorno aos cambucás, para cumprirmos o único ponto da nossa missão que ficou adiada para breve.

domingo, 3 de maio de 2009

Declaração de Amor da Pedra do Avião por Gargalheiras


Foto da sangria tirada em 30/04 - Vídeo Foto Galvão - Acari (RN)


Pedra do Avião



Sessão solene da Câmara dos Deputados, no momento em que Luiza declamava o poema. - Vídeo Foto Galvão - Acari (RN)
Nesta quinta-feira passada (30/04) tivermos as comemorações do cinquentenário do nosso "Colosso de Rhodes". À tarde ocorreu uma sessão solene da Câmara dos Deputados, no Municipal Clube de Acari. Em seguida, no início da noite, foi realizada a solenidade comemorativa, ao lado da parede do açude. Finalizando a agenda festiva, um super show de Raimundo Fagner, fechando a noite com chave de ouro.

No decorrer do primeiro evento, a sessão da Câmara, tive uma dupla satisfação: A primeira, foi ter um poema selecionado para declamação naquela ocasião; a segunda, foi vê-lo declamado pela minha filha Luiza Gabriela.

Mas, sem dúvida alguma, a principal atração foi o poema das águas declamado pelo próprio Gargalheiras, em uma sangria que, em vários momentos do feriado prolongado, ultrapassou um metro de lâmina d'água. Como no final de semana também se deu o Festival do Pescado, a romaria de visitantes foi muito grande e ocorreu em grande intensidade no decorrer do dia e também durante a noite, já que a iluminação da parede possibilita a contemplação noturna.

Nota Explicativa
O poema representa uma ficção, onde a Pedra do Avião declara o seu amor ao Gargalheiras. Essa pedra na realidade é um bloco de granito que se encontra parcialmente imerso no centro das águas do açude e a sua denominação decorre da semelhança com uma aeronave desprovida de asas. Do local onde se encontra a pedra, tem-se uma visão panorâmica de praticamente toda a represa, porém não é possível a visualização do véu de noiva formado pela queda d'água da sangria, cena de grande beleza, que transforma o reservatório no ponto turístico mais reverenciado do Seridó.

De asas, eu não preciso
Pois o céu me acompanha
Essa água que me banha
Escorre do paraíso
Parece até que deslizo
Nesse mar que é meu céu
Nunca pude ver teu véu
Apesar de não ser cega
Mas não me desassossega
Esse destino cruel

Não contemplar a sangria
Mesmo estando tão perto
Ver o povo boquiaberto
Fascinado de alegria
Uma bela alvenaria
Com água nas cabeceiras
Contornando as cordilheiras
Seguindo para a parede
Para saciar a sede
Da garganta Gargalheiras

Essa cena deslumbrante
Enxergo por outro meio
No brilho do olho alheio
Do velho, moço ou infante
Num encanto radiante
Vejo a cena refletida
Na retina seduzida
Como que enfeitiçada
Mesmo estando acostumada
Sempre fico embevecida

Quando Deus tava criando
Começou pela bacia
Cada rego, Ele fazia
Num riacho, desaguando
Lado a lado se juntando
Formando um belo rio
Quase como um funil
Cercou tudo com as serras
Abençoando as terras
E lançando o desafio

Botou-me, bem lá no meio
Para ser a testemunha
Fiquei lá, roendo unha
Esperando, com anseio
Mas até que um bombardeio
Deu início a construção
Foram dias de tensão
Aguardando o final
Da obra transcendental
Colírio pra o coração

Deus fez um belo cenário
Foi o grande criador
O homem um construtor
E também um visionário
Hoje no cinquentenário
Carregada de emoção
Expresso a gratidão
A quem deu o seu suor
Trouxe vida ao Seridó
Essa realização

Uma obra tão querida
É uma jóia que brilha
A terceira maravilha
Merece ser protegida
Tratem bem cada ferida
Para dá-lhe melhor sorte
Mesmo sendo muito forte
Precisa de atenção
Sem a sua proteção
Teré a pena de morte

No brilho da lua cheia
Refletido em suas águas
Afogo todas as mágoas
Que o meu peito golpeia
Nessa água que prateia
Mergulha o meu amor
Mesmo sem forma nem cor
Ocupa todo o espaço
E como que em um abraço
Acalenta minha dor

(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)