Algumas lembranças da infância teimam em nos acompanhar, bem vivas, durante toda a nossa existência. Foram momentos que se transformaram em ensinamentos que fazemos questão de preservar de forma intacta.
Eu, ainda criança, acompanhando Vovô Bilé no retorno do Açude do Sítio Benedito para casa sede. Após admirá-lo com encanto abrindo a tarrafa em lances perfeitos, passávamos pelo roçado, onde ajudava-o a trazer feijão verde, milho, jerimum e melancia. O ano, não lembro. Mas certamente era um ano bom de inverno, como este, e a década era a de 70. Ao chegarmos à sede, sentávamos no alpendre, ele escolhia a melhor melancia com algumas batidas com o dedo; abria com a faca peixeira e saboreávamos aquela fruta de paladar único, enquanto algum morador, que tinha nos acompanhado na pescaria, tratava os peixes. Em seguida cravava as cascas da melancia em estacas de cerca, para assistirmos a passarada vir fazer a sua ceia. Esse ritual se repetia sempre. Certa vez eu disse a ele que gostaria de pegar alguns daqueles passarinhos para criar. Então ele, com a resposta própria dos sábios, respondeu: - Para quê, meu filho? Você gostaria de estar preso? Os pássaros são muito mais belos quando soltos. Com uma lição aprendi duas: valorizar a nossa liberdade e a beleza dos pássaros livres.
É triste um pássaro nobre
Estar mais para uma lenda
Sem ninguém que o defenda
Do alçapão, destino pobre
A fama que o recobre
De belo cantor cativo
Metido a possessivo
Lhe priva da liberdade
Não aceita intimidade
Briga por qualquer motivo
Mesmo sendo agressivo
O homem lhe derrotou
Perseguiu, engaiolou
Com seu gênio destrutivo
Esse pássaro altivo
Transformado num troféu
Devia habitar o céu
Mas tá preso na gaiola
A forca que o degola
É inclemente e cruel
Só a Princesa Isabel
Poderia alforriar
E à liberdade, guiar
O preso que não é réu
Se pudesse, esse cordel
Já teria decretado
Num ato, abjugado
Através de um induto
Rendendo-lhe o tributo
De cantor “Soprano Alado”
Qual seu crime? Seu pecado?
Ser bonito e cantador
Na rinha, um brigador
Por isso muito afamado
Pra não ser encarcerado
Mesmo não fazendo mal
Só nascendo outro animal
No canto, deficitário
Em vez de ser um canário
Terá que nascer pardal
(Pedro Augusto Fernandes de Medeiros)
Como dizem os jovens de hoje em dia, essa poesia fico Dé+
ResponderExcluirLinda essa poesia sobre pássaros!!!
ResponderExcluirSe Deus os fez com poder de voar, libertos devem estar. Eles se tornam mais belos quando estão em árvores ou no céu em liberdade.
Essa poesia me lembrou um trecho de um livro de Mário Quintana, onde ele diz: Os poemas são pássaros que chegam, não se sabem de onde e pousam no livro que lês. Quando fechas o livro, eles alçam vôo como de um alçapão...
Parabéns, Pedro!!!
Pedro Augusto,
ResponderExcluirMuito linda a foto do canário da terra,uma ave canora que está sumindo do nosso Seridó.
Quanto a seu cordel muito bem feito irá para o meu arquivo pessoal.
Vá em frente!
Pery
Aline,
ResponderExcluirSeu comentário complementa e enriquece a minha postagem. Achei muito interessante a sua citação a Quintana Agradeço a sua participação!
Pery,
É uma grata satisfação recebê-lo neste espaço. Fico feliz que tenha gostado do cordel. Com relação ao canário da terra, acho que aqui no estado sua existência se limita aos pássaros em cativeiro.Faz muito tempo que não se relata a observação de animais na natureza. Sempre que vou a algum sítio mais remoto, onde poderia haver a incidência do pássaro, por ser uma região mais hostil, pergunto a alguém do lugar sobre o testemunho do fato, mas a resposta é sempre negativa. No final de semana passado estive em Martins e de manhãzinha cedo, enquando caminhava, deparei-me com um criador de passarinhos, dando banho de sol nos mesmos. Então fiz a indagação, imaginando que numa localização tão bem protegida o animal pudesse se refugiar. Mas a respota foi a de sempre: - Só existe em gaiola.
Forte abraço!
Adorei a poesia.
ResponderExcluirAs belas criações divinas não devem estar presas, pois só são belas mesmas qaundo em liberdade.
Parabéns por saber experssar esse sentimento de maneira tão bela.
kallyana